sexta-feira, 30 de maio de 2014

SOCORRO! O Brasil precisa de estadistas.



Por Betania Tanure

60% dos líderes de nossas empresas dominam o lado “hard” da gestão; os estadistas de que tanto precisamos são menos de 7%.

O Brasil clama pela presença de estadistas na política, nas organizações não governamentais, nas empresas. Por que será?
Identificamos no estadista as competências fundamentais e urgentes para nós hoje, entre as quais a de “enxergar além” e também coragem para tomar decisões duras e até impopulares e de buscar o bem comum no curto, médio e longo prazo, mesmo que em detrimento de interesses individuais.
Na empresa, o estadista é o dirigente capaz de temperar os papéis de gestor e de líder de acordo com as necessidades do momento, integrando-os à visão de futuro, e ainda é aquele que, por meio do poder da empresa, contribui para a construção de uma sociedade e um país melhores.
Parece que estou falando de Marte?
A situação atual em muitas empresas é de entorpecimento. Estamos um tanto distantes de ter, em boa parte delas, verdadeiros estadistas.
O que você acharia, francamente, de um presidente afirmar que apenas pequena parcela dos executivos de sua equipe tem o perfil desejado, que mais da metade de sua liderança não consegue mobilizar as pessoas e que parte significativa de seus subordinados diretos está apenas parcialmente comprometida? Pois essa é a opinião de 250 executivos do topo de empresas que estão entre as 500 melhores e maiores do Brasil. Os percentuais são alarmantes: 18%, 58% e 41%, respectivamente.
E tenho de revelar: a maioria dos presidentes expõe essa situação mais calmamente do que deveria. É como se o problema não fosse deles. De quem é o problema então? Não são eles os chefes dessa turma?
O fato é que predominam em nossos cargos executivos os “gerentões” e as “gerentonas”, pessoas em posição formal na hierarquia e com foco na articulação e viabilização dos componentes “hard” da gestão, muito racionais. O lado “soft” fica em segundo plano. Sim, isso se aplica a 68% dos executivos. Pergunto: que liderança é essa?
Nossa carência de indivíduos que saibam combinar as duas dimensões é quase endêmica: eles são apenas 7%. E a proporção de estadistas mostra-se ainda menor.
A responsabilidade não é só das pessoas. Estruturas de poder arcaicas, foco em resultados de curto prazo, metas conflitantes, contraposição entre interesses individuais e coletivos, modelagem da remuneração e tremenda dificuldade de implantar uma cultura meritocrática são alguns exemplos práticos de situações que levam à liderança deficiente.
Se você identifica algumas dessas situações em sua empresa, está na hora de agir. A obtenção de resultados empresariais extraordinários depende fortemente de bons líderes. Esse estado das lideranças é entrave ao desempenho organizacional bem maior do que se imagina além de distanciar cada vez mais as empresas de sua contribuição à sociedade. Imagine se falarmos da estrutura política?
Bons exemplos existem para provar que é possível ser estadista em uma empresa brasileira, empreendendo e tendo sucesso com ética. Tais histórias serão contadas nesta coluna nas próximas edições.
Por ora, vale lembrar uma conhecida frase de Charles de Gaulle: “A ambição individual é uma paixão infantil”.

“RESULTADOS EXTRAORDINÁRIOS DEPENDEM DE BONS LÍDERES”

Betania Tanure é professora da PUC Minas Gerais e do Insead da França, consultora da Betania Tanure Associados e consultora de Estratégia e Gestão Empresarial com Sumantra Goshal entre outros.
Artigo publicado na Revista HSM Management, nº 103, maio/junho de 2014. Coluna da Betania Tanure.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

QUE TAL CRIAR UM CONSELHO DE FUNCIONÁRIOS?



Por Carmen Miguelles

Essa pode ser uma excelente maneira de garantir a boa governança da empresa, com indicadores realistas, e construir o futuro pela inovação fácil e barata.

A governança no Brasil evoluiu muito nas últimas duas décadas. O nível de formação dos gestores e a profissionalização das empresas avançaram significativamente. Nosso estilo autoritário, extremamente hierárquico, personalista e paternalista vem abrindo espaço para novos arranjos organizacionais. O fato, porém, é que ainda vemos barreiras expressivas para dar passos mais largos na direção da diferenciação competitiva e da sustentabilidade dos negócios.
Investidores com projetos de retorno no longo prazo, como os fundos de pensão, têm dúvidas sobre onde investir aqui, por exemplo. Que empresas brasileiras possuem projetos de longo prazo capazes de garantir a continuidade ou o aumento da lucratividade no tempo? Como saber se a gestão está sendo conduzida de modo a produzir resultados futuros?
Os fundadores de empresas familiares que saem da gestão para o conselho ficam em posição semelhante. Estudos de governança falam sobre o alinhamento entre agente (executivo contratado) e principal (capitalista) como um desafio no mundo todo, mas para nós o poço é mais fundo.
Avaliamos a gestão só por indicadores financeiros. Isso gera um círculo predatório para o negócio e reduz o compromisso do gestor com o futuro. Leva ao planejamento reativo e de curto prazo, ao foco em tarefas, à redução dos custos, o que sufoca a operação. A empresa se posiciona como commodity, que disputa mercado com base no preço.
Além do mais, como quem está de fora sabe se a informação dada pelos executivos é confiável? Como ter certeza de que, na busca de resultados e bônus fantásticos, eles não estão cavando a sepultura?
Falando em futuro, culturas de inovação só florescem onde há suporte para a exímia execução, o que significa que a disciplina operacional não é ameaçada por estrangulamento de recursos ou por processos desenhados sem a participação de quem faz.
Ao contrário do senso comum atual, diante das restrições relevantes ao negócio, talvez importe menos promover a criatividade e mais aquilo de que o cliente precisa, aquilo que a organização consegue produzir, o limite dos recursos disponíveis para investir.
A solução criativa surge na busca de alternativas às restrições – essas são as inovações de fácil implementação e de mais baixo custo. E elas não surgem sem confiarmos no executor, sem que ele tenha informações relevantes. A construção da autonomia e da corresponsabilidade por resultados até a base da empresa é fundamental para isso, bem como os mecanismos horizontais de coordenação e o compromisso da liderança com todo esse processo.

OS MESMOS INTERESSES

Empresas de países com cultura nacional com mais confiança entre os agentes econômicos, como Alemanha e Japão, já resolveram em parte esse desafio da participação: elas colocam representantes dos funcionários no conselho de administração.
Isso não parece ser possível no contexto brasileiro, como todos sabemos. Mas e se os funcionários pudessem apresentar projetos e discutir seu progresso com uma plateia de conselheiros, em um conselho de gestão alternativo?

Lembre que as empresas hoje empregam trabalhadores do conhecimento e que estes têm como característica investir em uma capacitação útil ao trabalho naquela empresa, não no mercado. Esses profissionais têm o mesmo interesse dos acionistas no crescimento e lucratividade do negócio; sua carreira depende disso.

Carmen Miguelles é Sócia-fundadora da Symballéin, especializada em gestão de ativos intangíveis e coordenadora do núcleo de estudos de sustentabilidade em gestão da FGV.

Artigo publicado na Revista HSM Management, número 103, março/abril de 2014. Coluna da Carmen Miguelles