segunda-feira, 21 de julho de 2014

O VALOR DAS HORAS DE VOO



Para o professor David E. Bloom, da Universidade Harvard, um dos maiores especialistas em demografia do mundo, governos e empresas devem se adaptar para tirar vantagem do envelhecimento da população mundial.
     
 “Ante um pano de fundo de ansiedade econômica causada pela recente crise financeira, falar em tendências demográficas parece secundário. Mas o envelhecimento das nações tem preocupado bastante alguns analistas econômicos. Espera-se que o número de centenários mais do que duplique em todo o mundo até 2030. Há projeções que indicam quase 3,4 milhões deles até 2050 – isso num cenário de queda de fertilidade. Alguns países ficarão mais velhos mais depressa do que outros. No Brasil, o envelhecimento da população está se acelerando dramaticamente. Uma análise de longo prazo deixa isso claro. O país levou seis décadas para ver a participação das pessoas acima de 60 anos aumentar de 5% da população para os atuais 10%. Nos próximos 40 anos, esse percentual deverá chegar a 30%. Em 2050, o número de brasileiros acima de 60 anos totalizará cerca de 70 milhões – quase a população atual da França. Os brasileiros com mais de 80 anos serão mais de 16 milhões.
     As preocupações dos economistas com o envelhecimento giram em torno de escassez de trabalhadores, crescimento econômico mais lento e sistemas de previdência e assistência médica sob pressão. Para alguns, envelhecimento populacional significa aumento no número de idosos frágeis, solitários e isolados em instituições que oneram sua família. Em outro cenário terrível, a morte é adiada, mas o surgimento de doenças crônicas, a decadência física e mental e a perda de independência se impõem. Em todos esses casos, o prolongamento da vida significa apenas mais miséria. Além disso, argumentam esses economistas, os idosos não trabalham nem poupam como a maioria dos adultos. Por isso, muitos preveem que o envelhecimento vai pesar sobre as gerações mais jovens, obrigadas a financiar os sistemas de aposentadoria e de saúde.
     As visões alarmistas não resistem, porém, a uma análise mais profunda. Primeiro porque vale sempre lembrar que o aumento da longevidade é uma das conquistas mais notáveis da humanidade – uma consequência dos avanços em saúde pública, educação e desenvolvimento econômico. Fora isso, o envelhecimento da população não se traduz automaticamente numa catástrofe econômica e social. Há estratégias que podem ser adotadas para minimizar possíveis problemas causados pelo envelhecimento, como mudanças nas regras de aposentaria, políticas trabalhistas favoráveis a mulheres e programas de treinamento para trabalhadores mais velhos. Com toda certeza, o veredito sobre esse tsunami grisalho ainda não foi dado.
     É curioso perceber que, em vários países onde o fenômeno já é mais marcante, as mudanças demográficas estimulam transformações comportamentais e tecnológicas, provocam inovações e promovem ajustes institucionais que, com frequência, compensam a força da nova configuração geracional. Tudo depende da preparação e do poder de adaptação, tanto do ponto de vista individual como coletivo. Antecipar uma vida mais longa significa que as pessoas provavelmente pouparão mais para os anos em que não estarão trabalhando. Indica também a revisão de políticas de aposentadoria para desestimular a saída precoce do mercado de trabalho.
     Quando o assunto é adiar a aposentadoria, vale sempre se perguntar se as pessoas mais velhas vão querer trabalhar por mais anos. Tudo indica que sim. As tecnologias contra o envelhecimento e os estilos de vida mais saudáveis não têm só aumentado a longevidade, mas tornado a velhice mais vigorosa. Com melhor saúde, os empregados mais velhos provavelmente desejarão ser produtivos por mais tempo. Se essa previsão se concretizar, algumas práticas terão de ser revisadas no setor privado. Os locais de trabalho mais favoráveis a idosos incluem uma série de adaptações, de cargos e horários flexíveis a oportunidades de retreinamento.

Como fechar a conta
     Do ponto de vista dos governos, considerar as pessoas idosas um recurso é fundamental para cobrir uma potencial escassez de mão de obra. Aumentar a idade legal de aposentadoria promoverá maior produtividade e renda durante o tempo de vida – isso sem falar em todos os benefícios sobre as contribuições previdenciárias. Nos Estados Unidos, a participação na força de trabalho de indivíduos idosos vem aumentando desde meados da década de 90, mais especialmente entre aqueles com maior nível de escolaridade. Quanto antes as reformas necessárias para enfrentar um futuro mais grisalho forem iniciadas, mais suave será a transição para uma população mais velha.
     Por tudo isso, no futuro provavelmente teremos uma nova visão sobre a velhice. A ideia de envelhecimento deixará de ser associada ao acréscimo de anos à vida e passará a significar mais vida aos anos. Esse novo entendimento sobre o assunto tornará mais evidente as oportunidade de negócios criadas pelo aumento da população amis velha, com suas necessidades e interesses específicos, algo que poucas empresas já perceberam. Mesmo nesse cenário que pode ser mais otimista, ainda há uma batalha no campo da imagem que precisa ser ganha. Ver idosos por uma ótica discriminatória de declínio só consolida estereótipos. Mais esforços para traçar um quadro realista dos idosos – ilustrando sua sabedoria, experiência, autoridade moral e liderança – vão melhorar a vida deles e os tornarão mais valiosos no mercado de trabalho.
     Em resumo, demografia não é um destino. Historicamente, mudanças demográficas criaram desafios importantes para as sociedades. Mas as adaptações que foram realizadas para reverter as desvantagens têm sido igualmente notáveis. Há não muito tempo, pessoas de 40 anos sofriam preconceito no mercado de trabalho. Aos 50 anos eram consideradas idosas e muitas se aposentavam. Numa economia cada dia mais globalizada e mais regida pelo conhecimento, a experiência de trabalhadores idosos pode ser inestimável. Pesquisas com empregadores comumente revelam que os trabalhadores com mais de 60 anos são vistos como experientes, informados, confiáveis e leais. Ou seja, horas de voo já são contabilizadas como ativo, não como uma desvantagem. O futuro, sem dúvida, será de cabelos brancos. Não apenas em asilos, consultórios médicos e hospitais. Mas em escritórios, fábricas, cinemas, shopping centers, aeroportos, lugares turísticos...”.


David E. Bloom é economista e professor de demografia na Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
Publicado na Revista Exame, edição 1.068, ano 48, nº 12, de 09/07/2014.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

GESTÃO ESTRATÉGICA DA “SELEÇÃO” BRASILEIRA



Por Plínio José Figueiredo Ferreira

A maioria dos brasileiros, ainda sob o impacto do placar de 7 x 1, está a analisar o desempenho da seleção(?) brasileira de futebol atribuindo à comissão técnica, aos jogadores e à CBF os desacertos que culminaram com a frustração do desejo de todos. Também atribui o problema a erros na gestão da equipe que começaram na convocação e terminaram na escalação para o penúltimo jogo.

Nada é consequência de acontecimentos fortuitos. Quando falamos em acaso, fatalidade, na verdade desconhecemos ou não podemos compreender ou ainda queremos ignorar a acusa daquele acontecimento. Sempre há uma causa e um por que para todos os acontecimentos. Nada acontece sem uma causa, ou uma série de causas. Procura-se resolver as consequências; as causas permanecem fazendo parte de uma cadeia ordenada de eventos que trará mais problemas, e que continuam a ser resolvidos isoladamente. A grande questão é como a realidade é percebida. As bases de raciocínio eram estatísticas anacrônicas e outros fatores estupidamente subjetivos e paternalistas, bem ao gosto e á conveniência de alguns.

Segundo Fritjof Capra, o mundo está diante de uma grande crise de percepção. “Ela deriva do fato de que a maioria de nós, e em especial as grandes instituições sociais, concordam com uma visão de mundo obsoleta, uma percepção da realidade inadequada para lidarmos com nosso mundo superpovoado e globalmente interligado. Há soluções para os principais problemas de nosso tempo, algumas delas até mesmo simples. Mas requerem uma mudança radical em nossas percepções. Isto também se chama mudança de paradigmas. Estas mudanças só ocorrem sob a forma de rupturas descontínuas, através da evolução ou de uma revolução (strictu senso). A mudança de paradigmas requer uma expansão não apenas de nossas percepções e maneiras de pensar, mas também de nossos valores”.

Constatou-se a falta de visão sistêmica quando, a cada jogo, o trabalho era individual, individualista, de culto à personalidade. Não havia time, conjunto. Todos movidos pelo desejo de ser hexa campeão, diferente de ter como objetivo um bom desempenho que levasse à conquista do campeonato. As estatísticas anacrônicas e o “peso da camisa” já davam como certa a vitória. Esqueceu-se de combinar com os adversários.

Faltou a todos os envolvidos na busca do hexa, pensamento e visão sistêmicos. Ter pensamento e visão sistêmica é pensar de forma integrada; é pensar na relação de causa e efeito; é pensar de forma contextual; é pensar em mudança. Mas para isso é preciso ter vontade de mudar, mudar os modelos mentais e admitir que tudo o que é feito sem planejamento e estratégia tende a fracassar. É uma questão de tempo.

Plínio José Figueiredo Ferreira é Administrador pela UFBA e Pós-Graduado pela FGV-EAESP. Sócio-Diretor da Habilitas Consultoria em Gestão Empresarial. Professor/Consultor no NEA-Núcleo de Extensão da Escola de Administração da UFBA. Consultor em projetos de planejamento estratégico. Palestrante. Autor de artigos sobre Gestão Estratégica.