Por
Carmen Migueles
Para
vencer as dificuldades de formar líderes, as empresas devem relembrar o papel e
a força dos ritos tribais e incorporá-los, em vez de promover uma guerra de
todos contra todos.
Já reparou que
as dificuldades de formação de líderes sempre reaparecem na s empresas? Tanto o
bom técnico promovido à gestão continua com dificuldades para assumir seu papel
na relação com as pessoas como o gestor com experiência tem dificuldade de
desenvolver, em seu novo time, uma coalizão orientada para a missão da
organização.
Ambas as
dificuldades podem ser ainda maiores nos casos de fusões e aquisições, quando a
empresa perde a identidade conforme perde o contato com a saga corporativa –
suas histórias de luta, superações e vitórias. Em companhias resultantes de
fusões e aquisições, os registros históricos são fluxos de capital que dão
origem a alianças desprovidas de rostos e lutas.
Vínculos se
constroem em batalha, pressupõem uma história comum, o compartilhamento de
dores e alegrias, levam tempo, condições de que poucas corporações dispõem
atualmente. O conceito de “cultura organizacional” pretende substituir essa
cola, mas um excesso de racionalidade rouba-lhe a força. O fato é que, na
formação de lideranças, esquecemo-nos dos ritos e de sua importância.
Nas
organizações humanas, ritos de passagem têm papel-chave na dissolução de
identidades anteriores e na consolidação de novas; proveem o suporte para que o
indivíduo descubra como construir seu lugar nas relações sociais que se
estabelecem. Em outras palavras, eles apoiam a construção do novo status e
papel de um indivíduo e o ajudam a achar um novo lugar naquele mundo, além de
atualizar a história do grupo.
Pense no que
acontece quando um indivíduo assume um novo papel na sociedade, como quando
deixa de ser solteiro para casar-se. O rito do casamento se consolida após seis
estágios prévios:
- O cortejamento, em que a pessoa seduz a outra;
- O período de namorar, no qual se estuda se a escolha foi a mais adequada;
- O período de afastar-se do estágio anterior – o noivado, quando não se é mais solteiro, nem se é casado, e há tempo para se preparar para as responsabilidades futuras;
- A despedida de solteiro, na qual a ruptura com o estágio anterior se confirma;
- O rito público em si – o “sim” e a festa, em que se aceita o novo status publicamente; e,
- A reintegração, em que se é recebido no grupo dos casados.
Na empresa, um
rito de passagem para ser um novo líder requer seis estágios similares:
- A luta para ser reconhecido como um talento;
- A participação em processo de preparação para a sucessão, em que se avaliam o compartilhamento dos valores e a qualidade da relação;
- A definição como sucessor de um líder;
- A ruptura com a atividade e o grupo dos técnicos ou gestores anteriores;
- O momento em que a responsabilidade por outras pessoas vira o foco de sua agenda; e,
- A aceitação de novas responsabilidades e a capacidade de sentar-se com outras pessoas (como antes se sentavam em torno da fogueira) para deliberar sobre as formas de enfrentar os desafios.
Sem ritos, os
indivíduos que poderiam ser os novos líderes de uma organização ficam
solitários, em guerra de todos contra todos, em batalhas “meritocrática”
desprovidas de sentido. Quem seria líder acaba por virar mercenário em busca de
lucros rápidos e fáceis.
Carmen Migueles é Sócia-fundadora da Symballéin,
especializada em gestão de ativos intangíveis, e coordenadora do núcleo de
estudos de sustentabilidade em gestão da FGV.
Publicado na Revista HSM Management, edição 106,
setembro/outubro de 2014.