sexta-feira, 26 de setembro de 2014

MUITO ALÉM DAS BATALHAS MERITOCRÁTICAS



Por Carmen Migueles

Para vencer as dificuldades de formar líderes, as empresas devem relembrar o papel e a força dos ritos tribais e incorporá-los, em vez de promover uma guerra de todos contra todos.
     
 Já reparou que as dificuldades de formação de líderes sempre reaparecem na s empresas? Tanto o bom técnico promovido à gestão continua com dificuldades para assumir seu papel na relação com as pessoas como o gestor com experiência tem dificuldade de desenvolver, em seu novo time, uma coalizão orientada para a missão da organização.
     Ambas as dificuldades podem ser ainda maiores nos casos de fusões e aquisições, quando a empresa perde a identidade conforme perde o contato com a saga corporativa – suas histórias de luta, superações e vitórias. Em companhias resultantes de fusões e aquisições, os registros históricos são fluxos de capital que dão origem a alianças desprovidas de rostos e lutas.
     Vínculos se constroem em batalha, pressupõem uma história comum, o compartilhamento de dores e alegrias, levam tempo, condições de que poucas corporações dispõem atualmente. O conceito de “cultura organizacional” pretende substituir essa cola, mas um excesso de racionalidade rouba-lhe a força. O fato é que, na formação de lideranças, esquecemo-nos dos ritos e de sua importância.
     Nas organizações humanas, ritos de passagem têm papel-chave na dissolução de identidades anteriores e na consolidação de novas; proveem o suporte para que o indivíduo descubra como construir seu lugar nas relações sociais que se estabelecem. Em outras palavras, eles apoiam a construção do novo status e papel de um indivíduo e o ajudam a achar um novo lugar naquele mundo, além de atualizar a história do grupo.
     Pense no que acontece quando um indivíduo assume um novo papel na sociedade, como quando deixa de ser solteiro para casar-se. O rito do casamento se consolida após seis estágios prévios:

  1. O cortejamento, em que a pessoa seduz a outra;
  2. O período de namorar, no qual se estuda se a escolha foi a mais adequada;
  3. O período de afastar-se do estágio anterior – o noivado, quando não se é mais solteiro, nem se é casado, e há tempo para se preparar para as responsabilidades futuras;
  4. A despedida de solteiro, na qual a ruptura com o estágio anterior se confirma;
  5. O rito público em si – o “sim” e a festa, em que se aceita o novo status publicamente; e,
  6. A reintegração, em que se é recebido no grupo dos casados.
     Na empresa, um rito de passagem para ser um novo líder requer seis estágios similares:

  1. A luta para ser reconhecido como um talento;
  2. A participação em processo de preparação para a sucessão, em que se avaliam o compartilhamento dos valores e a qualidade da relação;
  3. A definição como sucessor de um líder;
  4. A ruptura com a atividade e o grupo dos técnicos ou gestores anteriores;
  5. O momento em que a responsabilidade por outras pessoas vira o foco de sua agenda; e,
  6. A aceitação de novas responsabilidades e a capacidade de sentar-se com outras pessoas (como antes se sentavam em torno da fogueira) para deliberar sobre as formas de enfrentar os desafios.

     Sem ritos, os indivíduos que poderiam ser os novos líderes de uma organização ficam solitários, em guerra de todos contra todos, em batalhas “meritocrática” desprovidas de sentido. Quem seria líder acaba por virar mercenário em busca de lucros rápidos e fáceis.


Carmen Migueles é Sócia-fundadora da Symballéin, especializada em gestão de ativos intangíveis, e coordenadora do núcleo de estudos de sustentabilidade em gestão da FGV.

Publicado na Revista HSM Management, edição 106, setembro/outubro de 2014.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

LIDERAR SIGNIFICA SUPERAR-SE SEMPRE



Por Betania Tanure

Como focar a face de liderança do executivo sem perder de vista sua face de gestão? Um certo CEO “Francisco” ajuda a ilustrar isso, apontando a armadilha mais comum nesses casos e como evita-la.
     Pense no executivo nota 10. Falo daquele que integra as competências racionais típicas do gestor, apresentadas por 68% dos executivos brasileiros, às competências emocionais e subjetivas relacionadas com pessoas e cultura, próprias do verdadeiro líder. Francisco reúne os dois os dois grupos de competências, fazendo parte do seleto grupo de 8% de gestores que eu costumo chamar de “dirigentes”. É um líder realmente diferenciado.
     Francisco está na empresa há muitos anos onde entrou como gerente e fez carreira até ser um bem sucedido CEO. Todos reconhecem sua extraordinária competência, apreciam-no e aprendem muito com ele. Quando a empresa viveu um processo de mudança, com situações difíceis que geravam dor, Francisco soube inspirar confiança em todos e praticar a liderança “agridoce”. E, assim, reconduziu o negócio ao desempenho desejado.
     O sucesso da jornada de Francisco é reconhecido, trazendo visibilidade à empresa e a seu presidente, apresentados na mídia como exemplos. Francisco vem recebendo um belo bônus anual.
     Até que, certo dia, surge uma encruzilhada em seu caminha. Foi Francisco que a colocou lá, gradativa e sorrateiramente. As opções são reaprender e reinventar-se ou permanecer na confortável condição de “craque”, devido ao sucesso recorrente.
     Como não identifica a armadilha como tal, Francisco escolhe o segundo caminho e se torna prisioneiro do próprio sucesso. Aos poucos, seus subordinados percebem que já não aprendem tanto com ele. Ficam inquietos, não se sentem à vontade para falar no assunto com o chefe. A empresa se ressente da situação; seu desempenho é ameaçado.
     O que será que aconteceu com Francisco?

A PERDA

     O acontecido pode ser resumido em poucas palavras: Francisco foi perdendo aos poucos a capacidade de se autossuperar. Assim, perdeu a capacidade de liderar.
     Pense nos líderes das empresas que você conhece. Nunca, talvez, o ambiente corporativo foi tão competitivo e, por que não dizer, desorganizado. É contínuo o fluxo de conhecimento dentro e fora da empresa, intensificando a necessidade de desenvolvimento constante; parar de aprender e de autossuperar-se é proibido.
     A capacidade de aprendizado e de autossuperação só constitui um processo sistemático quando é também uma qualidade intrínseca do executivo. Ele deve ser lúcido e corajoso, questionar-se sempre, sem medo, e ter a gana de saber mais, fazer sempre mais e melhor. Deve reconhecer que a própria excelência é um alvo móvel e que ele nunca a atingirá.
     Você não tem de competir com os outros para ser melhor; deve competir consigo mesmo, enxergando seus pontos fracos, conhecendo seus limites, expandindo-os e superando-se.
     Francisco, assim como tantas outras pessoas bem sucedidas, não soube competir consigo. Ele caiu na armadilha.

“A capacidade da empresa de aprender e superar depende de o líder fazer isso”.

Betania Tanure é professora da PUC Minas Gerais e do Insead da França, consultora da Betania Tanure Associados e coautora de Estratégia e gestão Empresarial, com Sumantra Ghoshal, entre outros.

Publicado na revista HSM Management, Edição 106, ago/set 2014 – Coluna da Betania Tanure.