segunda-feira, 16 de março de 2015

A ARCA DE NOÉ ou "O OBJETIVO, ESSE DESPREZADO" ou ainda "OS MEIOS JUSTIFICAM O FIM - A ANTI-LEI DE MAQUIAVEL"


Absalão era um homem que se podia conceituar como justo. Era um estudioso e quando repetia os sábios dizendo que os lados de um quadrado eram iguais, realmente tornava-se difícil entendê-lo. Dos seus 65 anos de idade, a maior parte havia dedicado à arte da guerra, onde conceitos técnicos e científicos eram aplicados. Particularmente, era um apaixonado pela organização das forças de combate e o uso de armas avançadas, tais como lança chamas de grande alcance, setas orientadas e a última novidade bélica: o lançador de pedras. Era um verdadeiro general. Com o avanço da idade e o aumento correspondente da sabedoria, Absalão também se preocupava com assuntos humanos, os quais, porém, o perturbavam um pouco. O Criador já não era reverenciado, como no seu tempo, os filósofos eram ridicularizados, havia uma inversão completa na política, acreditava-se mais na energia e nas estultices dos jovens do que na ponderada e segura orientação dos mais velhos.

Um dia Absalão andava pela ravina, imerso em seus pensamentos, quando, de repente - "puff" - uma nuvem de fumaça apareceu acompanhada de uma voz tonitruante:

- ABSALÃO!

Absalão prostrou-se apavorado. Só podia ser O Criador, pensou.

E era. Em Pessoa!

"- ABSALÃO - voltou a voz - NÃO ESTOU CONTENTE COM OS HOMENS, ESTÃO POLITIZADOS; GUERREIAM ENTRE SÍ E SÓ DEFENDEM INTERESSES PESSOAIS. O TRINÔMIO ADÃO-EVA-COBRA DEU NISSO AÍ... FAREI CHOVER QUARENTA DIAS E QUARENTA NOITES, ATÉ COBRIR A TERRA TODA DE ÁGUA. ISSO SERÁ CONHECIDO COMO O DILÚVIO. VOU MATAR TODO MUNDO. MAS QUERO NOVA HUMANIDADE, NASCIDA DE UM HOMEM INTELIGENTE, PRÁTICO E COM OBJ­ETIVOS. VÁ E CONSTRUA UM BARCO PARA VOCÊ SUA FAMÍLIA E COLOQUE DENTRO UM CASAL DE CADA SER VIVO. VOCÊ TERÁ QUATRO MESES PARA ESTE EMPREENDIMENTO. MEU CONTATO COM VOCÊ SERÁ DORAVANTE O ANJO GABRIEL, QUE COSTUMAM CHAMAR DE MENSAGEIRO DE DEUS."

 "Puff!..." e a nuvem se foi...



Absalão levantou-se lívido. O Criador elegera-o gerador da nova Humanidade! Todas as suas idéias seriam propagadas para o futuro!

Mas, Absalão nada conhecia de barcos, nem de navegação, porém não discutiria para não perder a grande oportunidade dada pelo Criador. Absalão era um sexagenário e estava difícil ganhar a vida com o status de que se achava merecedor. Porém, quatro meses... era muito pouco tempo. Era preciso resolver um problema técnico: construir um barco enorme, que objetivo! Absalão provaria que era capaz de salvar a humanidade com a sapiência dos mais velhos, usando a energia dos mais jovens!

Absalão rebuscou a memória. Conhecia um engenheiro naval chamado Neul, não - Noé! Sim, era este o nome. Noé poderia construir-lhe o barco. Absalão seria o coordenador do EMPREENDIMENTO e Noé seria o elemento técnico. Tão logo pensou, tão logo já conversava com Noé.

"- Meu caro quero encomendar um barco... e dos grandes!"- disse Absalão.

"- Sim senhor! Mas qual o tipo, para qual carga e para que navega­ção?"

"- Sim, sim Noé, isto são detalhes. É um barco para grande carga e águas pesadas. Quero fazer uma longa viagem com a família e levarei tudo."

"- Está bem senhor. Aqui mesmo temos florestas com madeiras de densidade de 0,8 g/cm3, em quantidade suficiente. Se a carga é grande, faremos o centro de gravidade baixo e o centro de empuxo alto, de modo a obter grande estabilidade... Acho que com dez bons carpinteiros, que consigo arranjar, e mais um mês de traba­lho duro, estaremos com o barco pronto...”

"- Perdão caro Noé, não quero interrompê-lo, mas como pode ter certeza dessa “cadensidade” de madeira? E se os homens são realmen­te c­om­pe­tentes? E se trabalharão com eficiência?"

"- Senhor, a unidade a que me referia chama-se densidade e os homens são carpinteiros, já meus velhos conhecidos...”

"- Não, não Noé - disse Absalão com um sorriso de condescendência - este EMPREENDIMENTO é grande e a coordenação é minha. Serei como que um Presidente e você será o técnico. Combinado?"

"- Combinado, Senhor Presidente, o barco é seu e quem manda é o Senhor"- retrucou Noé, dando de ombros. Levantou-se para cumpri­mentar Absalão e retirou-se.



Absalão pensou: puxa, não havia pensado nisso! São precisos carpinteiros para cortar as árvores e construir o barco. É preciso selecionar bem estes homens, pois o EMPREENDIMENTO não pode fracassar. Ah! Já me lembro. Meu auxiliar na cruzada santa de TrêsPedras fez ótima seleção de lanceiros. Roboão é o seu nome. Hoje está selecionando beterrabas para a indústria egípcia, mas virá traba­lhar comigo por um salário um pouco maior.

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"- Mas chefe, se o técnico disse dez carpinteiros, precisamos no mínimo quinze. O Senhor sabe, faltas, doenças, férias, o "turn-over"... E para selecionar bem quinze homens temos que explorar um universo de pelo menos cento e cinquenta a duzentos homens. Levarei algum tempo para isso e precisarei de auxiliares".

"- Confio em você Roboão. Já fez um bom trabalho para mim e tem grande experiência em Pessoal. Realmente achei Noé muito simplis­ta. Convide quem você achar melhor para realizar o recrutamento e a seleção dos homens para a tarefa. Mantenha-me informado!"

"- Certo Chefe. Obrigado pela confiança. Sairei em campo imedia­tamente."

Esta noite Absalão dormiu satisfeito. Após a missão do Senhor, em menos de vinte e quatro horas já tinha o técnico e o especialista em Pessoal.

Dormiu embalado ainda pela algazarra de sua família (vinte membros) na festa de inauguração do lançamento do EMPREENDIMENTO.

O 2º dia amanheceu tranquilo e claro.

O Presidente foi acordado por Roboão com boas notícias.

"-Chefe, já tenho cinco homens anunciando no povoado. É a fase do recrutamento. De acordo com o mercado, estamos oferecendo cinco dinheiros."

"-Mas Roboão, minha mulher ganha nove dinheiros cosendo para fora... não será pouco?"

"-Deixe comigo, Chefe. No recrutamento da última batalha pagamos oito dinheiros para valentes combatentes. Estes são apenas carpinteiros que não podem ser comparados com a sua senhora. Temos assim cinco recrutadores para a fase da seleção, menos de 10% dos candidatos esperados."



"-E quanto ganharão?"

"-O salário desta equipe varia de oito a doze dinheiros por serem especialistas. Chefe, um probleminha a mais. Não quero responsabilidade com o numerário e não sou um homem bom em contas. O trabalho com o pessoal já é bastante. Não acha melhor termos um homem para a gerência financeira do EMPREENDIMENTO?"

"-Bem lembrado Roboão! Mas não conheço nenhum e deve ser um homem de confiança."

"-Chefe, se me permite, quero lembrar-lhe o Judas, aquele nosso velho Capitão, que se ocupava dos dinheiros da força de combate."

“-Não, não, Roboão”. Este negócio de dinheiro, com o pessoal das armas não dá certo. Pensaremos em outro: deve ser um especialista na coisa... Você me compreende...

"-Então, Chefe, podemos fazer uma seleção entre os candidatos. Sairei em campo."

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O EMPREENDIMENTO crescia de vento em popa. As equipes de recruta­mento e seleção já estavam em plena operação. As finanças já tinham um responsável.

Mas, onde colocar este pessoal? Absalão partiu, com seu habitual dinamismo e logo adquiriu uma grande cabana de madeiras já com divisórias e tapetes e contratou, imediatamente, o pessoal da zeladoria e segurança, convidando alguns antigos conhecidos das forças de combate. Iniciou-se, assim, a operação em grande escala.

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"-Senhor Presidente - falou timidamente a graciosa recepcionista - está aqui o Dr. Noé com alguns desenhos e..."

"-Minha filha, já lhe disse para não interromper. Diga ao Dr. Noé que falo com ele após o almoço."

Absalão continuou a entrevista com o futuro gerente de Material, Jacob, também seu velho conhecido de carreira, dos tempos da campanha do Sinai.



"-Pois é, amigo Jacob, preciso cercar-me de gente de confiança, para o sucesso do EMPREENDIMENTO. Material é uma área delicada; não tolerarei desvios de estoque e má especificação dos itens."

"-Certo, Chefe! Sabe que pode confiar em mim. Nunca sumiu uma flecha ou lança no meu tempo. mas o armazenamento de madeira necessita de um almoxarifado adequado e de um bom almoxarife. Para controle, necessitarei de alguns arquivos Kardex, pratelei­ras e pessoal de apoio."

"-Justo Jacob. Encomende as prateleiras na carpintaria do povoado e fale com o  Roboão sobre o recrutamento do pessoal neces­sário."

Neste momento entrou Job, o secretário do Presidente. Jacob afastou-se discretamente.

"-Senhor Presidente, acaba de chegar um relatório da segurança indicando certos nomes de pessoas que não devem ser contratadas. Há suspeitas de que algumas não sejam confiáveis."

"-Ótimo trabalho do Gow - jamais lhe faltou a intuição. Precisa­mos estar alertas."

"-Ah! outra coisa, Sr. Presidente, o Dr. Noé telefonou novamen­te. Parece aflito para a aprovação de alguns desenhos."

"-Ora, este Noé! Sempre querendo me confundir com dados de madeira, centros de fluxos, etc. Ele acha que não devo me responsa­bi­lizar sozinho pela aprovação desses desenhos. Diga-lhe que nomeei um grupo de trabalho: o GT-BAR - Grupo de Trabalho do Barco, para dar-me um parecer. O rapaz é bom de projeto, mas nada entende de custos ou de administração por objetivos. Mas teremos tudo nos eixos tão logo chegue o meu Chefe de Administração. Vai colocar ordem e método nessa turma. Quero ver produção."

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Décimo quinto dia.

Quinze dias se passaram e o organograma proposto já estava na mesa do Presidente: uma Diretoria das Coisas – DC, uma de Investi­mentos - DI e uma de Barco - DB.

A DB já havia montado um laboratório especializado para a medida de densidade da madeira, análise de fungos e cupins e já estavam instalados os equipamentos para a medida de elasticidade e flexib­ilidade.



A Administração, em apenas quinze dias, já havia elaborado as provas de seleção para arquivistas de desenho naval, provas de seleção para o pessoal de seleção e recrutamento, pessoal de apoio, etc.

Roboão, como cumprimento ao Chefe, havia mandado comprar uma charrete, último tipo, de seis rodas e boléia separada, já acompanhada de charreteiro. Naturalmente houve pequeno atrito com Jacob (Chefe de Material) mas, como eram antigos companheiros de armas, o incidente foi esquecido e contornada a Auditoria.

Naquela noite Absalão estava cansado, mas não podia esquivar-se de receber Noé em sua residência.

"-Sr. Presidente desculpe-me interromper o seu descanso, mas o projeto já está pronto e as pessoas do GT-BAR ainda não foram nomeadas. O material já está especificado, porém o laboratório ainda não emitiu o laudo de aprovação da madeira e não conseguiu os carpinteiros para o corte... Se o Sr. Presidente pudesse autori­zar-me a trazer os carpinteiros conhecidos do povoado..."

"-Não se preocupe Noé, falarei com o DB e apressarei a contrata­ção do pessoal. Você sabe, apesar de ser Presidente, não posso mudar as normas da organização, autorizando diretamente seus carpinteiros. Se o fizesse não precisaria delas. Da Chefia vem o exemplo do cumprimento das normas. Não se preocupe que o EMPREENDIMENTO está nas mãos de profissionais - os melhores. Boa noite­, Noé..."

Noé afastou-se sem entender muito bem. Havia sido convidado para construir um barco. Agora estava às voltas com normas, instruções, exames de seleção... Balançou a cabeça - as coisas devem ser complicadas mesmo - e o Presidente é um homem capaz, se não, não seria Presidente. Partiu otimista para sua cabana. Se o Presidente disse, é porque tudo vai indo muito bem.

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Vigésimo quinto dia.

Job anuncia a chegada de Roboão.

"-Entre logo meu velho, sente-se. Aceita um leite de cabra?"



"-Sim Chefe, obrigado. Por falar nisso, segundo a lei, mandei distribuir leite de cabra pela manhã e pela tarde para todos nós. Já está até codificado o material, para o controle pelo computador. Mas para isso foi necessário adquirir duzentas cabras, alugar um pasto e contratar cinco pastores. Jóia Chefe! Veja só: quarenta cabras por pastor e os pastores ganham dez dinheiros."

"-Você é uma fera na administração de pessoal, Roboão. Falarei com seu Diretor para propor sua promoção na próxima vez. Como vai sua avaliação pessoal?"

"-Realmente não sei, Chefe. É Confidencial..."

"-Darei um jeito para que seja boa, afinal já temos quinhentas pessoas no efetivo e todas passaram por você. E você ainda conseguiu comprimir o quadro que era de oitocentas pessoas! Quanto economizamos em média?"

"-Nessa trezentas pessoas, cerca de quatro mil dinheiros, Chefe!"- respondeu Roboão com um sorriso de modesta satisfação. Talvez fosse aumentado para trinta dinheiros, pensou.

"-Roboão, não quero incomodá-lo e nem por sombra desfazer do belíssimo trabalho de sua equipe, mas Noé me disse que ainda não foram contratados os carpinteiros para o corte..."

"-Ora, Chefe, Noé é um sonhador. Só pensa nos seus benefícios. Já lhe expliquei a complexidade da contratação. Por exemplo: já aumentamos a oferta para seis dinheiros, porém todos os carpintei­ros candidatos foram reprovados no 1º psicotécnico. Não adianta contratar pessoal sem aptidão psicoprofissional para o corte da madeira. Se não passam nem neste exame, imagina nos outros. Além disso, o psicotécnico deve ser o primeiro exame para eliminar logo os agressivos. O Sr. sabe, com toda essa madeira para cortar, pode haver acidentes muito sérios..."

"-Realmente você tem razão, Roboão. Noé desconhece o que é uma boa organização. Toque o seu trabalho como você achar melhor. Se o contratei é porque tenho total confiança no seu trabalho...”

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Quadragésimo dia.

Finalmente a primeira reunião da Diretoria.

Era o momento solene das grandes decisões de cúpula do EMPREENDI­MENTO. Todos com os seus melhores ternos, sentados à mesa de reunião com suas pastas tipo 007.

O Presidente, satisfeito, relatava que o EMPREENDIMENTO era o orgulho do povoado.

Havia muito trabalho e emprego para todos.


Aproveitando o clima de satisfação, o DC informou que havia feito um convênio com a Escola de Carpinteiros, pois a mão-de-obra necessária estava aquém do treinamento desejado.

Além disso, havia criado o Departamento de Recursos Humanos com a missão de treinar de novo os carpinteiros para a técnica naval e também datilógrafas, secretárias e auxiliares administrativos. Havia também criado um Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho, por força de lei. O ambulatório já atendia vinte pessoas por dia.

O DB aproveitando a brecha do DC ponderou timidamente que faltava papel para desenho e que a eficiência dos carpinteiros era baixa, havia só um que cortou três árvores, sendo duas bichadas, de acordo com o último relatório do Controle de Qualidade. Noé, o técnico, estava tentando suprir a falta, desenhando em folhas de bananeiras e cortando árvore à noite, após o expediente.

Quando se propôs aumentar o salário de Noé para quinze dinheiros, o DC explodiu seguido de perto pelo DI.

"-Estes tecnocratas paisanos não funcionam e ainda querem aumento! Sr. Presidente, sou de opinião que devemos aumentar a equipe de recrutamento e apertar as provas de seleção. Nossa equipe técnica deixa muito a desejar!"

"-Perdão, retrucou o DB - O laboratório funciona! Veja como detectou as árvores bichadas. Acontece que não temos o apoio necessário. O Sr. está desviando recursos para a área de Operação do barco, recrutando timoneiros, taifeiros, etc."

"-Mas é lógico, interveio o Presidente - temos que agir com antecedência no treinamento. Treinar é investir no futuro!"

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Octogésimo dia.

Absalão, na ravina, estava orgulhoso. Era Presi­dente de um EMPR­EENDIMENTO que já contava com mil e duzentas pessoas.

As preocupações de Noé eram infundadas. Não passava de um tecno­crata pessimista.

Felizmente já havia o Diretor Técnico para despachar com Noé; menos um aborrecimento.

Subitamente - “Puff”! - uma nuvem de fumaça.



- "O MINISTRO DO SENHOR!" - murmurou Absalão, prostrando-se.

"-ABSALÃO, PONHA GENTE QUE DÊ MAIS PESO NO TOPO, CASO CONTRÁRIO O EMPREENDIMENTO AFUNDARÁ". - “Puff”.

Absalão correu à cabana de Noé.


"-Noé, Noé, ponha um convés no alto do mastro, vou colocar as pessoas mais pesadas em cima."

"-Mas Presidente, isto é impossível...  o convés sempre é abaixo e o mastro aponta para cima. Se aumentarmos a massa no topo, o barco vai emborcar."

"-Não discuta alimentação agora comigo Noé. O MINISTRO mandou colocar homens pesados no topo e é isto que vou fazer... e cumpra as minhas ordens!"

Noé retrucou, para si mesmo: "O Presidente está nervoso. Talvez Job possa fazê-lo ver mais claro..."

Noé correu à Secretaria Geral, mas lá encontrou o Comandante de Operações de Barco que já esperava há duas horas. Com ele estavam o Sub-Comandante Nível 3, o Imediato, o Pré-Imediato, dois Assis­tentes e três Assessores.

"-Noé - disse o Comandante - o seu projeto não anda! Como vou treinar meus homens sem barco? Vou pedir aprovação do Presidente para adquirir um simulador de barco, caso contrário não me responsabilizo. O DI diz que minha Razão de Operação está horrível, mas alocou custos na minha área!."

Noé balançou a cabeça e retirou-se vagarosamente. Realmente, o que ele conseguiria? Uma meia dúzia de desenhos e alguns em folhas de bananeira? Isto em oitenta dias. Ele havia prometido que faria o barco em cento e vinte dias ao Presidente! Estava acabrunhado e sentia-se um incompetente. Mas, o que estaria errado?

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O Presidente entrou furioso, desabafando em Job.

"-Veja só! Faltam apenas quarenta dias e a Divisão de Importação diz que há crise de transportes e a madeira só chegará dentro de um prazo médio de dez dias! O pessoal de P.O., mais o de O&M junto com o CBP já fez tudo para diminuir o caminho crítico de um tal de PERTO - mas estou vendo tudo longe!"



"-Quero uma reunião de emergência com os Diretores. Vou despedir o Setor de Carpintaria e contratar outro."

"-Se não fosse o Roboão com a equipe de Recrutamento, não sei o que seria ... !"

"-Mas Presidente - perguntou Job - faltam quarenta dias para que?"

"-Para o Dilúvio, meu filho, para o Dilúvio! Envie o seguinte TELEX":






De: Absalão Presidente (AP)

Para: O SENHOR CRIADOR (SC)

SOLICITO PRORROGAÇÃO PRAZO RESTANTE QUARENTA DIAS.  DIFICULDADES INTRANSPONÍVEIS CRISE INTERNACIONAL DE MADEIRA. PROSTRAÇÕES. ABSALÃO.

O ruído monótono da tele impressora deixava Absalão ansioso, mas a resposta veio finalmente:


DO: SENHOR

PARA: Absalão

CONCEDIDO PRAZO: MAIS CINCO DIAS IMPRORROGÁVEIS. ELEVAÇÃO DAS ÁGUAS EM ANDAMENTO.
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Centésimo dia.

Reunião da Diretoria.

"-Senhor Presidente - falou o DI - dentro de uma semana vencem nossos empréstimos internacionais com povoados e o Caixa não tem fundos suficientes. Nosso EM­PREENDIMENTO economicamente vai bem, mas financeiramente estamos à beira de uma crise de insolvência de caixa. Sugiro uma redução de pessoal!!!"

"-Toda vez que se fala em reduções, todos olham para mim - explodiu o Comandante de Operações - Sem mais homens não há operação do barco, que nem sairá do porto. E meu simulador ainda não foi aprovado!"



"-Sr. Presidente, - timidamente tentou o DB - acho que o Coman­dante tem razão, mas não prometeram ao MINISTRO que o barco estaria pronto muito em breve? Mas... sem material..."

"-Como posso fabricar madeira? - gritou o DC - meu laboratório não acha madeira local e há crise de transporte! Os carpintei­ros são incompetentes...; e este tal de Noé? Que fez ele até agora? E ganha dez dinheiros...!"

"-Senhores!"- falou o Presidente.

Todos olharam esperançosos.

"-A situação do EMPREENDIMENTO é razoável, mas temos que tomar uma atitude mais séria quanto ao projeto do barco..."

"-Presidente, não quero interrompê-lo, mas em nossos arquivos constam os exames de admissão de Noé e nem sabemos se ele é mesmo engenheiro naval..."

"-Sim, a culpa é minha - falou o Presidente - mas quando contra­tei Noé ainda não existiam as normas do EMPRE­EN­DIMENTO."

"-Tudo era muito improvi­sado naqueles dias, Sr. Presidente, e a culpa não pode ser somente de V. Exa. - acrescentou o DI..."

"-Então está existindo um desvio de função, Sr. Presidente!"- redarguiu o Comandante de Operações, acrescentando: "- Não podemos permitir que o mau exemplo prolifere! O que vou dizer ao meu pessoal? Como vou manter o moral da equipe, permitindo que eles pilotem um barco construído por um arrivista qualquer, que nem  engenheiro é? Não há outra solução, Sr.Presidente..."

Todos se entreolharam. Alguns começaram a rabiscar flechas nos blocos de anotações. Absalão calado... Por fim a decisão:

"-Noé está despedido!" - falou o Presidente.

E virando-se para Roboão:

"-Providencie a anotação em sua carteira de trabalho..."

"-Mas Chefe, nem carteira ele tem..."

"-É isso! Um desorganizado total! Cada vez mais me convenço do erro de tê-lo convidado: notifique-o, então, que está sendo despedido no interesse do EMPREENDIMENTO..."



Noé realmente ficou furioso com a notificação. Nem exigiu a fração do 13º salário que lhe cabia; estava disposto a sair daquela terra e o caminho mais fácil era pelo rio. Partiu para a floresta e reuniu cinco companheiros.

"-Amigos, vamos cortar estas árvores bichadas mesmo, construir um barco e sair daqui!"

"- Mas Noé, não somos carpinteiros nem sabemos fazer barcos..."

"-Não importa! Ensinarei a cortar a madeira e já temos os desenhos. Faremos uma equipe motivada, com o objetivo de construir um barco para uma vida melhor em outras terras! Levaremos uns bichos a bordo para comer na viagem. Só falta meter mão à obra!"

A madeira começou a ser cortada. Lascas por todo lado, as partes mais bichadas eram isoladas e deixadas de lado. Mosquitos voavam ao tombar das árvores.

Em poucos dias o casco do barco já tomava forma.

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Centésimo vigésimo quinto dia.

O Presidente acordou preocupado. A madeira tinha chegado mas só havia três carpinteiros no Setor de Carpintaria. Sua charrete tomou o caminho mais rápido para o escritório, para evitar o mau tempo. Nuvens pesadas cobriam os céus.

Absalão foi direto ao Telex mas Job só chegava às dez horas. Absalão correu ao CPD.

"-O que há por aqui? O expediente ainda não começou? Quem é você?"

"-Sou uma perfuradora de cartões, Senhor. Há dias não há ninguém por aqui. Dizem que devido ao novo Plano de Classificação de Cargos e pela Política de Promoções, ninguém vai ficar..."

Absalão voltou ao escritório. No caminho encontrou com Gaw que lhe disse, preocupado, haver um zum-zum-zum acerca de um tal Plúvio que estava para chegar a qualquer momento e que poderia ser um terro­ri­sta, mas que sua equipe...

Absalão ficou lívido e correu para o Telex.

"-Job, rápido! Passe este Telex"



DE: ABSALÃO PRESIDENTE (AP)
PARA: O SENHOR CRIADOR (SC)

DIFICULDADES INSUPERÁVEIS COM PROJETISTA ATRASARAM EMPREENDIMEN­TO. SOLICITO PRORROGAÇÃO DO PRAZO.

A resposta foi imediata:

Do: SENHOR
Para: Absalão

PRORROGAÇÃO NEGADA.

E começou a chover... Absalão correu para fora, seguido de Jacob. A chuva era forte, mas Jacob gritou: "- Chefe há um barco descendo o rio. Veja na proa... está escrito... está escrito: ARCA DE NOÉ"

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SORRIA DISCRETAMENTE SE, DURANTE A LEI­TURA DESTE TEXTO, VOCÊ VESTIU A CARAPU­ÇA.



 Baseado em artigo do Overall Corporation Management and Business - USA.