quinta-feira, 27 de agosto de 2015

EMPRESAS, GOVERNOS E A HORA DE MUDAR.


Por Betania Tanure

Pesquisa mostra que empresários preveem reduzir investimentos e até pessoas, sem boas expectativas para 2015; essa é a “deixa” para mudar.

Em uma empresa a mudança ocorre por três causas-chave: fusões e aquisições, a troca do principal dirigente e a crise. Para efeito desta análise, quero me deter um pouco no conceito de crise.
Ela deve ser qualificada de duas formas. A primeira, mais comum, é a econômico-financeira, contexto em que se torna objetiva e, para a maioria das pessoas, visível. Os indicadores apresentados na “última linha” são claros e inequívocos. Ou muda ou morre. Ou muda ou é vendida, mesmo que perca valor.

A ação da direção é decisiva na recuperação, ou morte, da empresa. Lucidez de raciocínio, coragem de admitir a situação e os próprios erros, de fazer diferente, de mobilizar as pessoas são pré-requisitos para o sucesso dessa ação. Outros indicadores também devem ser analisados: a empresa cresce consistentemente? Ganha ou perde market share? É objeto de desejo de executivos não apenas em razão do poder do cargo mas pelo propósito que tem? As pessoas se orgulham de trabalhar nela?

Há ainda uma segunda forma de crise que diz respeito ao potencial de desempenho da empresa e sua sustentabilidade. Os números ainda são sadios, porém ou não indicam que o sucesso terá vida longa, ou revelam que não se está explorando o potencial positivo apresentado pelo negócio.

Nessa situação, a maioria dos executivos não vê motivo para implantar mudanças e, sem a visão de um verdadeiro dirigente, que saiba combinar as capacidades do gestor com as do líder, as mudanças não ocorrerão mesmo.

Em qualquer uma dessas duas crises, o propósito de mudança tem de ser muito claro e beneficiar todos os envolvidos, não apenas os que estão no poder. Mais: ambos os casos exigem vontade, coragem e disciplina para mudar e para criar uma estrutura que dê suporte à transformação doa ambiente organizacional.

Agora, vamos aos dados. Em pesquisa que fiz após as eleições do segundo turno em 2014, 47% dos executivos em posição de presidência e conselho afirmaram que diminuirão a o atual nível de investimentos; 3%, que vão aumenta-lo e 50%, que vão mantê-lo. Quanto ao quadro de pessoal, 45% previram redução; 10%, aumento e 45% pretendiam preservar o atual. Por fim, 77% projetaram desempenho mediano da empresa.

Com base no que foi apresentado, faço duas provocações. A primeira é para você, empresário. Não se conforme com o desempenho mediano. Analise bem se não é hora de, corajosamente, orquestrar um processo de transformação e mudar sua empresa, influenciando proativamente seu cenário. Em tempos difíceis, só os melhores têm desempenho excepcional. Você está entre eles? Se não está, sugiro que busque estar.

A outra provocação é para nossos governantes. Se os empresários enxergam o cenário aqui descrito, a hora não é de mudar o ambiente de negócios para que seja mais atrativo? Não adianta apenas discordar dos dados ou “matar a mensageira”. As pessoas agem de acordo com suas percepções, mesmo que outras discordem delas.

Mudanças, seja na empresa, seja no Brasil, são as condições para que todos os brasileiros, independentemente de convicções político-partidárias, desejam: um país melhor e mais justo. No entanto, elas demandam energia de nós.

Betania Tanure é professora da PUC Minas Gerais e do Insead, da França, consultora da Betania Tanure Associados e coautora de Estratégia e Gestão Empresarial com Sumantra Ghoshal, entre outros.

 Publicado na revista HSM Management, edição nº 108 – jan/fev de 2015.








quarta-feira, 19 de agosto de 2015

OCASIÃO SEM LADRÃO


Por Betania Tanure

O desejo inespecífico de mudança da sociedade brasileira precisa ficar específico nas empresas; valores dos quais as pessoas possam se orgulhar devem ter o mesmo peso de visão de futuro e competência de execução.

     O ano vem terminando e debatemo-nos com um desejo inespecífico de mudança. Mas, se queremos que o Brasil seja um país sério, uma sociedade madura, um povo que luta por um ambiente justo, está claro, a meu ver, que precisamos mudar alguns de nossos valores.
     Um dos que mais me chamam a atenção é bem representado por um ditado popular: “A ocasião faz o ladrão”. Precisamos ressignificar esse pensamento, convertendo-o em: “A ocasião revela o ladrão”. É o que a realidade mostra: uma circunstância tal denuncia o ladrão, nos permite ver quem ele é, tira-lhe o véu. Mudar essa velha crença é mais importante do que nunca no Brasil atual.

     Parece que estamos chegando ao limite dos delatos de esperteza, da mistura nefasta do que é público com o que é privado, dos valores familiares. Neste momento de sua história, a sociedade brasileira está prestes a perder valores fundamentais, entre os quais alguns de ordem ética e moral ocupam posição de destaque.

     Essa discussão sobre mudança tem de estar fortemente presente no ambiente empresarial. É nele que se fala em colaboração, mas em surdina pratica-se a competição desleal. É nele que se prega o bem comum, mas cada um se preocupa, em primeiro lugar, com sua meta individual, muitas vezes conflitante com a do vizinho. É nele que se exaltam o respeito pelas pessoas e sua importância para a empresa, mas o que elas percebem, de fato, é que se tornaram descartáveis. E por aí vai.

     Agir em conformidade com os procedimentos recomendados na empresa? Seguir as leis e regulamentos? Tudo é relativizado. Enquanto isso, as áreas de compliance – cuja efetividade, é bom lembrar, relacionam-se diretamente com padrões de honestidade e integridade – têm cada vez mais trabalho.

     O maior desafio de mudança que temos nas organizações brasileiras atuais está em saber combinar visão de futuro (também podemos chama-la de propósito ou de ambição) e competência de execução com outro elemento fundamental: valores dos quais as pessoas possam sentir orgulho.

     O que move os indivíduos na direção de um projeto são seus ideais, seu desejo de construir algo, seu entusiasmo em mudar o curso de uma história. E, por isso, não vale qualquer acordo nem qualquer iniciativa; esse movimento tem de ser baseado em valores sólidos.

     Há quem fale com orgulho que não rouba, não trapaceia, não quer tirar vantagem, como se esses comportamentos fossem atributos elogiáveis. Conforme tal raciocínio, as pessoas mereceriam um prêmio por ser honestas. Isso se traduziria em valores sólidos?

     Não. Isso só confirmaria a perspectiva de que todos têm seu preço. Eu, pessoalmente, não compartilho dessa perspectiva, assim como não acredito que a ocasião faz o ladrão. Mudar essas crenças é um de nossos desafios na construção de nossas famílias, de nossas empresas, de nosso país.

 Betania Tanure é professora da PUC Minas Gerais e do Insead, da França, consultora da Betania Tanure Associados e coautora de Estratégia e Gestão Empresarial com Sumantra Ghoshal, entre outros.

Publicado na revista HSM Management, edição nº 107 – nov/dez de 2014.




sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O NARCISISMO POR TRÁS DO LÍDER


Por Angela Maciel

Os modelos de liderança atuais atraem personalidades narcisistas; as organizações precisam estar atentas aos efeitos indesejáveis disso, especialmente aos altos índices de estresse que líderes narcisistas geram nos liderados.

     Certa vez, Narciso encontrou uma fonte límpida rodeada de relva e, ao invés de inclinar-se para beber água, foi seduzido pela imagem refletida de sua beleza, apaixonando-se perdidamente por si mesmo.

     Você certamente já aprendeu sobre esse mito grego. Para a psicanálise, uma personalidade de Narciso pode ser devastadora.

     Pessoas narcisistas acreditam ser únicas. Em geral, fantasiam acerca de seu fabuloso sucesso, poder e fama e, paradoxalmente, costumam ter baixa autoestima.

     Freud estudou o fenômeno: um indivíduo, quando apaixonado, priva-se de uma parte de sua energia libidinal, só recuperada ao ser correspondido; assim, quando um narcisista ama sem ser amado, perde sua autoestima.

     Pois saiba o leitor que o mito de Narciso guarda estreita relação com a ação da liderança dominante hoje nas organizações. De acordo com um crescente número de estudos, de Manfred Kets de Vries e outros autores, gestores e consultores legitimam modelos de liderança nos quais o indivíduo narcisista encontra as condições ideais para manifestar seu narcisismo, de modo reativo ou construtivo.

     O líder narcisista reativo apresenta sintomas como exibicionismo, grandiosidade, impiedade, frieza e desejo de dominar. Ele só tolera bajuladores, é um tirano cruel, ignora as necessidades dos subordinados e não aceita críticas de maneira alguma.

     Há um segundo tipo de líder narcisista reativo, que, digamos, é mais “suave”. É o que se autoilude e apresenta sintomas como ausência de empatia, maquiavelismo, medo do fracasso, carência de ideais e foco nas próprias necessidades. Esse líder até mostra interesse por seus subordinados, mas o faz apenas para parecer simpático aos olhos dos outros. No fundo, considera os subordinados como instrumentos e fere-se com as críticas vindas deles.

     E quanto ao narcisista construtivo? Ele existe sim, e, quando manifestado na liderança, apresenta sintomas como senso de humor, criatividade, confiança em si, ambição, energia, obstinação e orgulho. Trata-se de um líder meritocrático, inspirador, que desempenha o papel de mentor e consegue aprender algo com as críticas que lhe fazem.

     No entanto, observe-se que a orientação desse tipo de líder é ao mesmo tempo transformadora e transacional, ou seja, ele inspira os outros ao mesmo tempo em que os usa para atingir os próprios objetivos.

     Será que você reconhece algum tipo desses tipos na liderança de sua empresa? Possivelmente sim, porque as organizações contemporâneas estão especialmente sujeitas a líderes narcisistas em todos os seus níveis.

     Direta e objetivamente, isso significa que as empresas estão sujeitas aos danos que podem ser causados por narcisistas. No entanto, diga-se que o líder com tendências ao narcisismo construtivo também tem muito a oferecer a seus liderados, como a inspiração que já destacamos.

     O problema é que, mesmo no caso desse tipo de líder narcisista, a carga de estresse é grande – afinal, ele sente que tem de manter sua imagem, uma vez que adota o discurso de herói salvador, que cuida de seus subordinados e põe seus interesses à margem dos interesses organizacionais.

     Nem todo líder é um narcisista que distorce a realidade, mas, já que cultivamos um modelo de liderança que atrai narcisos, precisamos redobrar o cuidado com os efeitos potenciais disso.

     Não são poucos: alto nível de rotatividade de pessoal e ameaça ao trabalho em equipe, à iniciativa dos subordinados, aos projetos inovadores.


Angela Maciel é Diretora de soluções educacionais in company da HSM Educação Executiva, atua como consultora de empresas, professora e gerente de projetos da Fundação Dom Cabral. Formada em psicologia pela PUC Minas, também é mestre em educação a distância.

Publicado na revista HSM Management – coluna da hsm, edição nº 111, julho/agosto de 2015.