Tanto para o país quanto para as
empresas, o caminho mais direto para avançar é aprimorar o capital humano,
concluíram os debatedores do quarto EXAME Fórum. / Humberto Maia Junior
Há
pouco mais de 100 anos, o inglês Alfred Marshall, um dos maiores economistas de
todos os tempos, responsável por sistematizar a ideia de que o valor de um
produto é determinado por sua procura e pelo custo de produção (um princípio
hoje banal), afirmou: “O mais valioso entre todos os capitais é aquele
investido em seres humanos”. Marshall demonstrava toda a sua confiança no fator
mais importante para o desenvolvimento de uma nação – as pessoas que nela
vivem. A necessidade de o Brasil ampliar o investimento na qualificação de sua
população foi a tônica da quarta edição do EXAME Fórum, realizado em 14 de
setembro, em São Paulo, para uma plateia de 430 empresários e executivos. O
tema do encontro foi “O Brasil e as empresas brasileiras no novo cenário
mundial”. Em três painéis, capitaneados por dois economistas americanos e dois
ministros do governo Dilma, foram debatidos os principais problemas da economia
do país, como a alta carga tributária, burocracia paralisante, excesso de
protecionismo e falta de regras claras para os investimentos. Como ponto comum,
ficou patente que, para o avanço tanto das empresas quanto da economia, é
fundamental dar atenção aos brasileiros, os responsáveis por produzir a riqueza
– e, em última instância, os beneficiários dos resultados conseguidos. “O
Brasil ainda tem vários problemas, mas o ponto em que realmente destoa da
maioria dos países é o baixo investimento em pessoas”, disse, na abertura dos
debates, Paul Krugman, professor da Universidade de Princeton e ganhador do
prêmio Nobel em 2008.
Investir
nas pessoas significa dar a elas condições para que possam prosperar e viver
com qualidade. O Brasil ainda tem índices sociais sofríveis: cerca de 20 em
cada 100 crianças morrem antes de completar 1 ano. Quase metade das residências
brasileiras não está ligada à rede de esgoto. E cerca de 15% dos brasileiros
com mais de 25 anos estão enquadrados na categoria “sem nenhuma instrução
escolar”. Recentemente, o governo anunciou algumas medidas para impulsionar os
investimentos em infraestrutura e outras para cortar custos das empresas. São
medidas importantes – fundamentais, diga-se – para a modernização da economia.
E devem vir acompanhadas por investimentos nas pessoas. “Construir fábricas ou
estradas é importante. Mas, se eu dissesse onde um país mais tem de investir,
seria nas pessoas”, disse Krugman. “Elas podem fazer o país do futuro”. Um dos
melhores investimentos é aprimorar o nível de ensino. Os avanços obtidos, como
a universalização da presença nas escolas, ainda são insuficientes para a
competição com outros países. “Nossa evolução foi mínima”, disse Jorge Gerdau
Johannpeter, presidente do conselho de administração do grupo Gerdau. Sua
conclusão se baseia na comparação com o padrão de nações mais desenvolvidas.
“Que tipo de pessoas precisamos para ser competitivos? Eu quero o cidadão
sul-coreano”, afirmou Gerdau, referindo-se ao ganho de produtividade do país
asiático obtido após investimentos na
melhoria do ensino. Um estudo do economista Eric Hanushek, da Universidade
Stanford, nos Estados Unidos, mostrou que países com bom desempenho dos
estudantes em testes cognitivos apresentam crescimento da renda maior do que
aqueles em que os alunos tiram nota baixa. Ele afirma que a melhora de 25
pontos nos resultados do Pisa, exame feito pela OCDE (cuja média dos países
ricos é 500), resulta em aumento de 0,5 pontos percentuais na taxa anual do PIB
per capta. Uma projeção considerando a manutenção desse ganho por 80 anos
resultou num PIB três vezes maior. “No longo prazo, o investimento que faz a
diferença é na educação”, diz Hanushek.
Paul
Romer, da Universidade de Nova York, outro convidado do EXAME Fórum, defendeu a
tese de que os governos devem ser “pequenos e fortes”. Ao Estado cabe, por
exemplo, o papel de órgão regulador. “Quando pedem a um governo para fazer
muito, ele deixa de fazer o básico”, diz Romer. E o que seria o básico? Romer
faz analogia entre o papel do Estado e o da área de recursos humanos de uma
empresa. “Os governantes devem atuar da mesma maneira que um diretor de
recursos humanos”, diz ele. “Devem criar políticas para reter e trazer novos
talentos ao país, além de garantir que recebam treinamento e estejam
saudáveis”. Outro caminho para o desenvolvimento das pessoas é o trabalho. “Num
emprego formal, o funcionário tem contato com gerentes qualificados e boa tecnologia”
diz ele. “Não deixa de ser uma escola com grandes oportunidades de
aprendizado”. Pesquisas indicam, por exemplo, que os mexicanos que passaram um
ano trabalhando nos Estados Unidos ganham 10% mais ao voltar ao México –
reflexo do que aprenderam no mercado americano. Felizmente, o Brasil avançou
nesse quesito: nos últimos dez anos, foram criados 15 milhões de empregos
formais.
O
estímulo às pessoas é ainda mais importante num cenário de crise global.
Krugman prevê que estados Unidos e Europa levarão anos para o retorno à
estabilidade. Do lado de cá do Atlântico, o problema é agravado pela rivalidade
extremada entre os partidos políticos Republicano e Democrata, o que dificulta
a aprovação de medidas para a recuperação. Ele afirma que, num cenário otimista,
os Estados Unidos só retomarão o crescimento pré-crise no fim do próximo
mandato presidencial, em 2016. A Europa, onde o quadro é mais grave, depois
disso. É nesse cenário que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, aposta no
crescimento de 4% da economia brasileira em 2013. Mantega prevê que, no próximo
ano, as medidas de incentivo adotadas em 2012 surtirão o efeito desejado. “O
Brasil é hoje um país mais competitivo e um dos únicos com chance de
crescimento”, disse ele. Será ainda mais se investirmos nas pessoas. Como disse
em seu discurso Roberto Civita, presidente do conselho de administração do
Grupo Abril, que edita EXAME, são os “esforços e a ousadia de homens e mulheres
livres para empreender e melhorar de vida que estão por trás dos avanças ocorridos
no mundo nas últimas décadas”.
É
o que o Brasil deve perseguir.
Publicado na Revista
EXAME, Edição 1.025, Ano 46, Nº 19, de 03/10/2012.
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