quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

O PODER DE TRANSFORMAÇÃO DAS CIDADES


Sete perguntas para DANIEL GÓMEZ GAVIRIA

Por Eduardo Salgado

Para o chefe de competitividade do Fórum Econômico Mundial, os novos prefeitos têm um papel crucial no aumento da produtividade no Brasil.

Doutor em economia pela Universidade de Chicago, o colombiano Daniel Gómez Gaviria é responsável pela área de competitividade do Fórum Econômico Mundial, instituição que, além de organizar encontros em Davos, produz respeitados estudos e rankings. Gómez Gaviria esteve recentemente no Brasil a convite da Comunitas, ONG criada pela ex-primeira dama Ruth Cardoso, para falar de planejamento de longo prazo nas cidades, um dos focos do Fórum Econômico Mundial.

1.    Qual é o principal conselho que o senhor daria aos prefeitos brasileiros que vão assumir em 2017?

O objetivo deve ser aumentar a competitividade. O primeiro passo é fazer uma análise. Usando os rankings disponíveis, qual é a posição da cidade? Quais são os pontos fortes e os fracos? Uma vez feito isso, é preciso definir as prioridades e ter um plano para garantir a execução.

2.    Cidades conseguem ganhar competitividade?

É preciso ter claro o significado de competitividade. Para nós, quer dizer um grupo de fatores e condições que aumentam a produtividade da economia. Isso inclui desde a elevação da qualidade das instituições até o reforço da infraestrutura.

3.    Esses temas não são, em muitos casos, da alçada do governo estadual ou do federal?

Em alguns casos, é verdade que os prefeitos têm pouca ou nenhuma margem de manobra. Um exemplo disso é a política macroeconômica. Mas em vários outros temas eles podem fazer muito. Falo do combate à corrupção, da diminuição da burocracia, da melhoria da infraestrutura, do aumento da qualidade dos serviços de saúde e educação... Até mesmo na área do trabalho os prefeitos podem ajudar.

4.    Mas as mudanças nas leis trabalhistas não dependem de votação do Congresso?

É verdade. Ainda assim, as prefeituras podem montar um sistema para que as empresas em busca de mão de obra encontrem os profissionais certos.

5.    Qual é a área em que as cidades podem ter um papel relevante?

Sem dúvida é na área de sofisticação do ambiente de negócios e de estímulo à inovação. Esses fatores dependem de um ecossistema e da cooperação entre instituições. Um bom exemplo é o que acontece em Medellin, na Colômbia. Lá foi criado um comitê entre prefeitura, universidade e empresas. Um dos resultados foi a criação de uma rede de apoio a startups. A tecnologia também tem um papel importante como ferramenta para o poder público.

6.    O senhor se refere ao uso de aplicativos para aumentar a qualidade dos serviços públicos?

Exatamente. Quando a população usa apps que medem, por exemplo, o tempo de espera em postos de saúde, isso ajuda o governo a identificar gargalos. Estamos até mudando um pouco a metodologia do nosso ranking de competitividade. Vamos passar a medir melhor o impacto da tecnologia, inclusive no serviço público. Trata-se de um esforço para mensurar as transformações da atual revolução digital.

7.    De que outras maneiras as cidades podem tirar proveito da tecnologia?

Os prefeitos e os funcionários públicos não precisam mais ser a única fonte de soluções. Hoje é possível uma prefeitura informar o tipo de problema que quer resolver e pedir a pessoas e empresas que apresentem soluções. Tudo online.



Publicada na Revista Exame, Edição 1128, nº 24 de 21/12/2016.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

CORAGEM PARA MUDAR


"A coragem é a primeira qualidade humana,
pois garante todas as outras."

(Aristóteles)




É preciso discernimento para identificar o que nos faz mal e coragem para eliminar tais fatores de nossas vidas. Tudo o que fazemos somente tem sentido quando pode nos proporcionar alegria e prazer.  É evidente que há tarefas operacionais e situações enfadonhas que marcam nosso cotidiano, mas mesmo estas precisam estar vinculadas a um objetivo maior.

Se você está em uma empresa ou exerce uma atividade profissional que tem sido um fardo em sua trajetória, você precisa pedir demissão ou buscar uma nova carreira. Certamente esta não é uma escolha fácil, mas você pretende prolongar isso por quantos anos?
O oposto do engajamento é a falta de reconhecimento...

Se você está em uma relação amorosa marcada por discussões e incompreensões, use o diálogo para alcançar a conciliação, lembrando que quando uma das partes está certa isso não significa necessariamente que a outra esteja errada. Quando há carinho e amor, a tolerância e a empatia prevalecem, resgatando os sentimentos. No entanto, quando um relacionamento se torna meramente protocolar, caracterizado pela amizade, ainda que haja respeito e admiração entre as partes, é hora de parar, ou você acredita que envelhecer ao lado de quem não se ama lhe fará bem?
O oposto do amor é a indiferença...

Muitas de nossas decisões são adiadas por questões econômicas. Você se mantém no emprego porque precisa garantir seu sustento; persiste numa relação insípida porque uma separação envolveria a partilha de bens ou a interrupção de planos previamente agendados. Desta forma, alimentamos a infelicidade. Acredite: questões materiais se resolvem com o tempo, pois sempre será possível reiniciar. Mas você precisa desenvolver a arte do desapego e aprender que menos pode ser mais.

Perseguimos a felicidade como se ela fosse nosso único e maior objetivo. Porém, a felicidade são momentos, ocasiões pontuais nas quais o sorriso espontâneo se revela, regado por beijos doces e abraços quentes. Já a infelicidade, quando nos abate, tem a capacidade de se prolongar, pois não deseja ser breve. Ela se instala em nossa mente e em nosso coração, comprometendo o raciocínio, os relacionamentos e toda nossa rotina. Quando a infelicidade fixa sua morada, o desencanto e a angústia nos visitam, podendo conduzir ao desespero e à depressão, dentre outras enfermidades.

O mundo que nos é vendido quando somos crianças não é real. É uma ficção, pois acreditamos que tudo é possível, que o bem sempre vencerá o mal e que a vida pode ser perfeita. Mas é esta inocência que torna a infância a melhor fase de nossa existência – e proporcionar esta experiência é a maior responsabilidade dos pais em relação aos seus filhos, embora também não possam deixar de prepará-los para o futuro. Esta inocência é substituída pela maturidade que nos ensina que a vida é a arte dos encontros, desencontros e reencontros. Aprendemos que nossos atos têm consequências, sejam agradáveis ou dolorosas, e que as colheremos no decorrer do tempo. Descobrimos a força das palavras e que a comunicação é a base de tudo, compreendendo que mais importante do que aquilo que você diz, é como você diz.

É esta maturidade que nos ensina a valorizar o que realmente importa. Temos o hábito de dar importância a desconfortos, mágoas e ressentimentos, quando precisamos aprender a deletar as situações indesejáveis, apreciando aquilo que nos torna melhores.

Afinal, qual a vida que você deseja para você?


Data de publicação: 08/09/2016



Tom Coelho é educador, palestrante em temas sobre gestão de pessoas e negócios, escritor com artigos publicados em 17 países e autor de nove livros. Contatos: atendimento@tomcoelho.com.br. Visite www.tomcoelho.com.br, www.setevidas.com.br e www.zeroacidente.com.br.




quinta-feira, 27 de agosto de 2015

EMPRESAS, GOVERNOS E A HORA DE MUDAR.


Por Betania Tanure

Pesquisa mostra que empresários preveem reduzir investimentos e até pessoas, sem boas expectativas para 2015; essa é a “deixa” para mudar.

Em uma empresa a mudança ocorre por três causas-chave: fusões e aquisições, a troca do principal dirigente e a crise. Para efeito desta análise, quero me deter um pouco no conceito de crise.
Ela deve ser qualificada de duas formas. A primeira, mais comum, é a econômico-financeira, contexto em que se torna objetiva e, para a maioria das pessoas, visível. Os indicadores apresentados na “última linha” são claros e inequívocos. Ou muda ou morre. Ou muda ou é vendida, mesmo que perca valor.

A ação da direção é decisiva na recuperação, ou morte, da empresa. Lucidez de raciocínio, coragem de admitir a situação e os próprios erros, de fazer diferente, de mobilizar as pessoas são pré-requisitos para o sucesso dessa ação. Outros indicadores também devem ser analisados: a empresa cresce consistentemente? Ganha ou perde market share? É objeto de desejo de executivos não apenas em razão do poder do cargo mas pelo propósito que tem? As pessoas se orgulham de trabalhar nela?

Há ainda uma segunda forma de crise que diz respeito ao potencial de desempenho da empresa e sua sustentabilidade. Os números ainda são sadios, porém ou não indicam que o sucesso terá vida longa, ou revelam que não se está explorando o potencial positivo apresentado pelo negócio.

Nessa situação, a maioria dos executivos não vê motivo para implantar mudanças e, sem a visão de um verdadeiro dirigente, que saiba combinar as capacidades do gestor com as do líder, as mudanças não ocorrerão mesmo.

Em qualquer uma dessas duas crises, o propósito de mudança tem de ser muito claro e beneficiar todos os envolvidos, não apenas os que estão no poder. Mais: ambos os casos exigem vontade, coragem e disciplina para mudar e para criar uma estrutura que dê suporte à transformação doa ambiente organizacional.

Agora, vamos aos dados. Em pesquisa que fiz após as eleições do segundo turno em 2014, 47% dos executivos em posição de presidência e conselho afirmaram que diminuirão a o atual nível de investimentos; 3%, que vão aumenta-lo e 50%, que vão mantê-lo. Quanto ao quadro de pessoal, 45% previram redução; 10%, aumento e 45% pretendiam preservar o atual. Por fim, 77% projetaram desempenho mediano da empresa.

Com base no que foi apresentado, faço duas provocações. A primeira é para você, empresário. Não se conforme com o desempenho mediano. Analise bem se não é hora de, corajosamente, orquestrar um processo de transformação e mudar sua empresa, influenciando proativamente seu cenário. Em tempos difíceis, só os melhores têm desempenho excepcional. Você está entre eles? Se não está, sugiro que busque estar.

A outra provocação é para nossos governantes. Se os empresários enxergam o cenário aqui descrito, a hora não é de mudar o ambiente de negócios para que seja mais atrativo? Não adianta apenas discordar dos dados ou “matar a mensageira”. As pessoas agem de acordo com suas percepções, mesmo que outras discordem delas.

Mudanças, seja na empresa, seja no Brasil, são as condições para que todos os brasileiros, independentemente de convicções político-partidárias, desejam: um país melhor e mais justo. No entanto, elas demandam energia de nós.

Betania Tanure é professora da PUC Minas Gerais e do Insead, da França, consultora da Betania Tanure Associados e coautora de Estratégia e Gestão Empresarial com Sumantra Ghoshal, entre outros.

 Publicado na revista HSM Management, edição nº 108 – jan/fev de 2015.








quarta-feira, 19 de agosto de 2015

OCASIÃO SEM LADRÃO


Por Betania Tanure

O desejo inespecífico de mudança da sociedade brasileira precisa ficar específico nas empresas; valores dos quais as pessoas possam se orgulhar devem ter o mesmo peso de visão de futuro e competência de execução.

     O ano vem terminando e debatemo-nos com um desejo inespecífico de mudança. Mas, se queremos que o Brasil seja um país sério, uma sociedade madura, um povo que luta por um ambiente justo, está claro, a meu ver, que precisamos mudar alguns de nossos valores.
     Um dos que mais me chamam a atenção é bem representado por um ditado popular: “A ocasião faz o ladrão”. Precisamos ressignificar esse pensamento, convertendo-o em: “A ocasião revela o ladrão”. É o que a realidade mostra: uma circunstância tal denuncia o ladrão, nos permite ver quem ele é, tira-lhe o véu. Mudar essa velha crença é mais importante do que nunca no Brasil atual.

     Parece que estamos chegando ao limite dos delatos de esperteza, da mistura nefasta do que é público com o que é privado, dos valores familiares. Neste momento de sua história, a sociedade brasileira está prestes a perder valores fundamentais, entre os quais alguns de ordem ética e moral ocupam posição de destaque.

     Essa discussão sobre mudança tem de estar fortemente presente no ambiente empresarial. É nele que se fala em colaboração, mas em surdina pratica-se a competição desleal. É nele que se prega o bem comum, mas cada um se preocupa, em primeiro lugar, com sua meta individual, muitas vezes conflitante com a do vizinho. É nele que se exaltam o respeito pelas pessoas e sua importância para a empresa, mas o que elas percebem, de fato, é que se tornaram descartáveis. E por aí vai.

     Agir em conformidade com os procedimentos recomendados na empresa? Seguir as leis e regulamentos? Tudo é relativizado. Enquanto isso, as áreas de compliance – cuja efetividade, é bom lembrar, relacionam-se diretamente com padrões de honestidade e integridade – têm cada vez mais trabalho.

     O maior desafio de mudança que temos nas organizações brasileiras atuais está em saber combinar visão de futuro (também podemos chama-la de propósito ou de ambição) e competência de execução com outro elemento fundamental: valores dos quais as pessoas possam sentir orgulho.

     O que move os indivíduos na direção de um projeto são seus ideais, seu desejo de construir algo, seu entusiasmo em mudar o curso de uma história. E, por isso, não vale qualquer acordo nem qualquer iniciativa; esse movimento tem de ser baseado em valores sólidos.

     Há quem fale com orgulho que não rouba, não trapaceia, não quer tirar vantagem, como se esses comportamentos fossem atributos elogiáveis. Conforme tal raciocínio, as pessoas mereceriam um prêmio por ser honestas. Isso se traduziria em valores sólidos?

     Não. Isso só confirmaria a perspectiva de que todos têm seu preço. Eu, pessoalmente, não compartilho dessa perspectiva, assim como não acredito que a ocasião faz o ladrão. Mudar essas crenças é um de nossos desafios na construção de nossas famílias, de nossas empresas, de nosso país.

 Betania Tanure é professora da PUC Minas Gerais e do Insead, da França, consultora da Betania Tanure Associados e coautora de Estratégia e Gestão Empresarial com Sumantra Ghoshal, entre outros.

Publicado na revista HSM Management, edição nº 107 – nov/dez de 2014.




sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O NARCISISMO POR TRÁS DO LÍDER


Por Angela Maciel

Os modelos de liderança atuais atraem personalidades narcisistas; as organizações precisam estar atentas aos efeitos indesejáveis disso, especialmente aos altos índices de estresse que líderes narcisistas geram nos liderados.

     Certa vez, Narciso encontrou uma fonte límpida rodeada de relva e, ao invés de inclinar-se para beber água, foi seduzido pela imagem refletida de sua beleza, apaixonando-se perdidamente por si mesmo.

     Você certamente já aprendeu sobre esse mito grego. Para a psicanálise, uma personalidade de Narciso pode ser devastadora.

     Pessoas narcisistas acreditam ser únicas. Em geral, fantasiam acerca de seu fabuloso sucesso, poder e fama e, paradoxalmente, costumam ter baixa autoestima.

     Freud estudou o fenômeno: um indivíduo, quando apaixonado, priva-se de uma parte de sua energia libidinal, só recuperada ao ser correspondido; assim, quando um narcisista ama sem ser amado, perde sua autoestima.

     Pois saiba o leitor que o mito de Narciso guarda estreita relação com a ação da liderança dominante hoje nas organizações. De acordo com um crescente número de estudos, de Manfred Kets de Vries e outros autores, gestores e consultores legitimam modelos de liderança nos quais o indivíduo narcisista encontra as condições ideais para manifestar seu narcisismo, de modo reativo ou construtivo.

     O líder narcisista reativo apresenta sintomas como exibicionismo, grandiosidade, impiedade, frieza e desejo de dominar. Ele só tolera bajuladores, é um tirano cruel, ignora as necessidades dos subordinados e não aceita críticas de maneira alguma.

     Há um segundo tipo de líder narcisista reativo, que, digamos, é mais “suave”. É o que se autoilude e apresenta sintomas como ausência de empatia, maquiavelismo, medo do fracasso, carência de ideais e foco nas próprias necessidades. Esse líder até mostra interesse por seus subordinados, mas o faz apenas para parecer simpático aos olhos dos outros. No fundo, considera os subordinados como instrumentos e fere-se com as críticas vindas deles.

     E quanto ao narcisista construtivo? Ele existe sim, e, quando manifestado na liderança, apresenta sintomas como senso de humor, criatividade, confiança em si, ambição, energia, obstinação e orgulho. Trata-se de um líder meritocrático, inspirador, que desempenha o papel de mentor e consegue aprender algo com as críticas que lhe fazem.

     No entanto, observe-se que a orientação desse tipo de líder é ao mesmo tempo transformadora e transacional, ou seja, ele inspira os outros ao mesmo tempo em que os usa para atingir os próprios objetivos.

     Será que você reconhece algum tipo desses tipos na liderança de sua empresa? Possivelmente sim, porque as organizações contemporâneas estão especialmente sujeitas a líderes narcisistas em todos os seus níveis.

     Direta e objetivamente, isso significa que as empresas estão sujeitas aos danos que podem ser causados por narcisistas. No entanto, diga-se que o líder com tendências ao narcisismo construtivo também tem muito a oferecer a seus liderados, como a inspiração que já destacamos.

     O problema é que, mesmo no caso desse tipo de líder narcisista, a carga de estresse é grande – afinal, ele sente que tem de manter sua imagem, uma vez que adota o discurso de herói salvador, que cuida de seus subordinados e põe seus interesses à margem dos interesses organizacionais.

     Nem todo líder é um narcisista que distorce a realidade, mas, já que cultivamos um modelo de liderança que atrai narcisos, precisamos redobrar o cuidado com os efeitos potenciais disso.

     Não são poucos: alto nível de rotatividade de pessoal e ameaça ao trabalho em equipe, à iniciativa dos subordinados, aos projetos inovadores.


Angela Maciel é Diretora de soluções educacionais in company da HSM Educação Executiva, atua como consultora de empresas, professora e gerente de projetos da Fundação Dom Cabral. Formada em psicologia pela PUC Minas, também é mestre em educação a distância.

Publicado na revista HSM Management – coluna da hsm, edição nº 111, julho/agosto de 2015.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

A INOVAÇÃO E A ÉTICA DAS VIRTUDES

Por Carmen Migueles

A inovação no Brasil quase sempre aparece associada aos desafios de P&D e a grandes investimentos de capital, mas não seria possível pensa-la olhando para os vínculos estre as pessoas?
     
Se alguém lhe perguntasse, leitor, qual é o fator crítico que mais nos afasta de uma cultura de inovação, seja nas empresas, seja na sociedade brasileira de modo geral, o que você responderia?
     Muitos apontariam dificuldades em pesquisa e desenvolvimento. Ou falta de capital. Eu estou convencida de que a chave está na ausência de determinada “ética das virtudes”.
     Há inúmeras oportunidades de inovação se pararmos para compreender os valores, a cultura material, as formas de aquisição, fruição e descartes de mercadorias, e as lógicas culturais que definem demandas e desejos dos consumidores.
     Os estudos em antropologia do consumo ajudam a ver quão valiosos são esses saberes como bússolas para a inovação. Porém não creio que sejam necessários antropólogos, designers e outros especialistas para enxergar oportunidades por esse ângulo.
     O olhar antropológico é uma forma de se colocar no lugar do outro; é reconhecer o outro como diferente e compreendê-lo a seu próprio modo. É um exercício que ajuda a enxergar oportunidades simples e baratas de empreender.
     Qualquer um que conduza uma inovação pode exercitar o olhar antropológico; basta que haja, em sua organização, uma ética das virtudes que o oriente nessa direção.
     A primeira virtude necessária para reconhecer o potencial desse novo olhar é a humildade. Se humildes, podemos ser mais generosos e perceber, ante uma reclamação ou dificuldade de um cliente, uma necessidade de solução que o atenda melhor e que possa, igualmente, atender melhor milhares de pessoas.
     Isso requer outras virtudes, como um pouco de paciência, temperança (autocontrole) e diligência. Com elas, podemos aprender muito cada vez que ouvimos, interpretando as informações e transformando-as em oportunidades de oferecer soluções.
     A dureza da vida nos afasta das virtudes. Por exemplo, em vez de paciência e, consequentemente, do tempo para fazer algo bem feito e com maior valor para o cliente, buscamos celeridade.
     Em vez de diligência para aprender com o que ouvimos, usamos a lógica da inveja ao fazer benchmarkings – queremos o que o outro tem e os resultados que atingiu, mas não necessariamente desejamos aprender como chegou lá.
     Então sentimos irritação, ao nos vermos distantes de onde achamos que deveríamos estar. Sentimo-nos traídos pelos outros e pelo destino: se trabalhamos tanto, por que não estamos ainda melhores?
     E instala-se o círculo vicioso que nos dificulta a vida, o trabalho e a inovação: ficamos irritados, com mais pressa, mais duros e vorazes. Vejo as pessoas cada vez mais frustradas com o excesso de trabalho que não se traduz em riqueza.
     Sei que é antigo falar de virtudes; ninguém mais fala delas. Mas será que a sabedoria de nossos ancestrais não é exatamente o bálsamo de que estamos precisando? Acho curioso, quando penso nisso, que antes de escrever A Riqueza das Nações, o texto fundador da ciência econômica moderna, Adam Smith escreveu A Teoria dos Sentimentos Morais, onde as virtudes aparecem como a base para o funcionamento ideal dos mercados.

Carmen Migueles é Sócia-fundadora da Symballéin, especializada em gestão de ativos intangíveis, e coordenadora do núcleo de estudos de sustentabilidade em gestão da FGV.

Publicado na Revista hsmmanagement nº 108, janeiro/fevereiro de 2015 – Coluna da Carmen Migueles.


segunda-feira, 20 de abril de 2015

TERCEIRIZAÇÃO


Por Paulo Tolentino Vieira

 
Um assunto corriqueiro volta à polêmica!

 
Alguma instituição, que tenha a capacidade de contratar pessoas para execução das suas tarefas, necessárias ao cumprimento de seus objetivos, resolve fazê-lo usando a intermediação de uma terceira.

Sim, a intermediação institucional é o que caracteriza está prática, que passou, há muito tempo, a se chamar de "terceirização", sobre a qual nossos legisladores procuram agora estabelecer alguns condicionantes de controle em Lei.

Por que alguém optaria por colocar um intermediário impessoal, em algo que, em tese, tenha capacidade de executar diretamente? Sabe-se que a sua simples adoção já implica necessariamente em aceitar um acréscimo nos custos: aqueles relativos à coordenação e à justa lucratividade da instituição eventualmente contratada.

Mesmo num olhar simplista, já pode parecer que é algo que vem em oposição à busca de ganhos de produtividade, pois, sempre gera custos adicionais, que, se não forem devidamente compensadas por outros ganhos operacionais muito maiores, vão se somar, encarecendo o serviço a ser prestado. Uma análise deste ponto deve ser sempre feita, para que a opção aconteça sempre dentro de mínimos critérios econômicos lógicos racionais, quando claramente vantajosos para todos os envolvidos.

Ultrapassada esta questão, puramente de cunho econômico, quando uma equipe terceirizada passa a cooperar, permanentemente, em ambientes onde também atuam grupos contratados diretamente pela instituição, passa a existir, quase na totalidade das vezes, uma discriminação entre pessoas que, embora com tarefas diferentes, concorrem unidas para um propósito comum maior, aquele desejado pela organização contratante, tanto os trabalhadores diretos, como os "terceirizados". Neste sentido, os melhores conselheiros de relações humanas são uníssones em considerar a impropriedade de se estimular qualquer tipo de discriminação, especialmente entre colaboradores que buscam interesses gerais e comuns.

Este aspecto discriminatório, já nocivo em termos da motivação das pessoas envolvidas, passa a acrescentar pontos agravantes quando a devida retribuição ao trabalho se diferencia em natureza. Explico: Excetuando-se os benefícios trabalhistas mínimos legais, que devem obrigatoriamente ser os mesmos para todos, ainda se estabelecem outros, os quais, a prática mostra, vêm sendo muito diferenciados e contribuem para estabelecer, num ambiente de trabalho comum, trabalhadores de categorias diferenciadas, influindo, mais ainda, no aprofundamento discriminatório. Refiro-me aqui a: critérios de estabilidade, cobertura de planos de saúde e de previdência privada, uniformização e filiação sindical, que, na quase totalidade dos casos, existem para uns, inexistindo ou diferenciando-se abruptamente para outros.

Outra questão importante é a transitoriedade contratual de certos serviços, que por sua natureza são permanentes, como, por exemplo, manutenção, limpeza, portaria, secretária, recepção, atendimento de balcão, etc.. Nestes e similares se colocam pessoas que deveriam ser motivadas, além de contraprestações pecuniárias e utilitárias, por anseios de natureza mais duradouros, como ascensão de carreira e compromisso com os objetivos institucionais do trabalho. Num regime de tarefas com prazos limitados e curtos, tais estímulos ficam extremamente dificultados e eventualmente soam mesmo como falaciosos.

Considerando todas essas desvantagens, devemos cuidar com redobrada atenção para que tal alternativa não mascare alguma tentativa de exploração pura e simples de "mão de obra“, tal como se fossem objetos que, numa prateleira, podem ser usados e descartados, quando não mais sejam úteis. Deve-se, portanto, rejeitar qualquer forma de pura exploração do trabalho humano, com pouquíssima ou quase nenhum comprometimento com o desenvolvimento pessoal do trabalhador, com análogos programas de treinamento e desenvolvimento profissional e humano, sempre promovidos por saudáveis organizações empregadoras, socialmente bem inseridas.

Para aqueles tipos de tarefas acima referidas por suas especificidades, onde não há diferencial tecnológico expressivo por parte da instituição prestadora, carece a existência de maiores ressalvas ainda quanto a existência de absoluta ética e lisura processual na contratação e operação, com severa vigilância entre as instituições concorrentes, para que não se abram espaços maiores, para a ocorrência das piores e abomináveis práticas concorrenciais.

Atualmente não é raro se verificar que a maioria de pessoal de atendimento à população, tanto no serviço público como no privado, além de condomínios, vem sendo composto de pessoas desvinculadas dos quadros funcionais dos órgãos promotores do atendimento. Isto vem mostrando maior descompromisso dos atendentes relativamente aos melhores propósitos desejados, transformando aquele contato interpessoal num emaranhado de desentendimentos, algo que vem se assemelhado com as perversas consequências dos "call centers" já, há muito, abominadas pela população.

Muitos sindicatos, com certa razão, vêm se opondo a generalização desta prática pois expressivos contingentes, em certos setores, embora nestes exercendo o seu trabalho efetivo, passam a ter filiação sindical desvinculada daquela categoria, com fragilização artificial da representatividade e fuga das conquistas trabalhistas já obtidas nos acordos daqueles setores.

Outro ponto de difícil aceitação é que, de modo geral, a terceirização serve para esconder eventuais desvios de natureza ética ou de produtividade, pois os trabalhadores operando neste regime, apesar de exercerem efetivamente um trabalho como outro qualquer podem, com facilidade, ser suprimidos das estatísticas relativas ao esforço humano aplicado, assim como as condições em que o fazem.

Por todos esses argumentos, quando impossível de outro modo, e se desejamos contribuir para que nossa sociedade se caracterize crescentemente por relações de trabalho benéficas e estimulantes à prática do trabalho e consequente conquista do desenvolvimento. Devemos cuidar no máximo do nosso alcance, para que inexistam artifícios que venham estimular qualquer forma disfarçada de subemprego.

Paulo Tolentino Vieira, Abril de 2015.

Paulo Tolentino Vieira (68) é Aposentado como Administrador de Empresas especializado em Gestão Previdenciária e Securitária. Tendo atuado como Professor Universitário, dedica-se atualmente, a partir de Salvador e Miami, a compartilhar suas ideias e reflexões como: Escritor, Blogueiro, Consultor, Conferencista e Homem de Comunicação.