sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O NARCISISMO POR TRÁS DO LÍDER


Por Angela Maciel

Os modelos de liderança atuais atraem personalidades narcisistas; as organizações precisam estar atentas aos efeitos indesejáveis disso, especialmente aos altos índices de estresse que líderes narcisistas geram nos liderados.

     Certa vez, Narciso encontrou uma fonte límpida rodeada de relva e, ao invés de inclinar-se para beber água, foi seduzido pela imagem refletida de sua beleza, apaixonando-se perdidamente por si mesmo.

     Você certamente já aprendeu sobre esse mito grego. Para a psicanálise, uma personalidade de Narciso pode ser devastadora.

     Pessoas narcisistas acreditam ser únicas. Em geral, fantasiam acerca de seu fabuloso sucesso, poder e fama e, paradoxalmente, costumam ter baixa autoestima.

     Freud estudou o fenômeno: um indivíduo, quando apaixonado, priva-se de uma parte de sua energia libidinal, só recuperada ao ser correspondido; assim, quando um narcisista ama sem ser amado, perde sua autoestima.

     Pois saiba o leitor que o mito de Narciso guarda estreita relação com a ação da liderança dominante hoje nas organizações. De acordo com um crescente número de estudos, de Manfred Kets de Vries e outros autores, gestores e consultores legitimam modelos de liderança nos quais o indivíduo narcisista encontra as condições ideais para manifestar seu narcisismo, de modo reativo ou construtivo.

     O líder narcisista reativo apresenta sintomas como exibicionismo, grandiosidade, impiedade, frieza e desejo de dominar. Ele só tolera bajuladores, é um tirano cruel, ignora as necessidades dos subordinados e não aceita críticas de maneira alguma.

     Há um segundo tipo de líder narcisista reativo, que, digamos, é mais “suave”. É o que se autoilude e apresenta sintomas como ausência de empatia, maquiavelismo, medo do fracasso, carência de ideais e foco nas próprias necessidades. Esse líder até mostra interesse por seus subordinados, mas o faz apenas para parecer simpático aos olhos dos outros. No fundo, considera os subordinados como instrumentos e fere-se com as críticas vindas deles.

     E quanto ao narcisista construtivo? Ele existe sim, e, quando manifestado na liderança, apresenta sintomas como senso de humor, criatividade, confiança em si, ambição, energia, obstinação e orgulho. Trata-se de um líder meritocrático, inspirador, que desempenha o papel de mentor e consegue aprender algo com as críticas que lhe fazem.

     No entanto, observe-se que a orientação desse tipo de líder é ao mesmo tempo transformadora e transacional, ou seja, ele inspira os outros ao mesmo tempo em que os usa para atingir os próprios objetivos.

     Será que você reconhece algum tipo desses tipos na liderança de sua empresa? Possivelmente sim, porque as organizações contemporâneas estão especialmente sujeitas a líderes narcisistas em todos os seus níveis.

     Direta e objetivamente, isso significa que as empresas estão sujeitas aos danos que podem ser causados por narcisistas. No entanto, diga-se que o líder com tendências ao narcisismo construtivo também tem muito a oferecer a seus liderados, como a inspiração que já destacamos.

     O problema é que, mesmo no caso desse tipo de líder narcisista, a carga de estresse é grande – afinal, ele sente que tem de manter sua imagem, uma vez que adota o discurso de herói salvador, que cuida de seus subordinados e põe seus interesses à margem dos interesses organizacionais.

     Nem todo líder é um narcisista que distorce a realidade, mas, já que cultivamos um modelo de liderança que atrai narcisos, precisamos redobrar o cuidado com os efeitos potenciais disso.

     Não são poucos: alto nível de rotatividade de pessoal e ameaça ao trabalho em equipe, à iniciativa dos subordinados, aos projetos inovadores.


Angela Maciel é Diretora de soluções educacionais in company da HSM Educação Executiva, atua como consultora de empresas, professora e gerente de projetos da Fundação Dom Cabral. Formada em psicologia pela PUC Minas, também é mestre em educação a distância.

Publicado na revista HSM Management – coluna da hsm, edição nº 111, julho/agosto de 2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário