Por
Carmen Migueles
A inovação no Brasil quase sempre aparece associada aos desafios de
P&D e a grandes investimentos de capital, mas não seria possível pensa-la
olhando para os vínculos estre as pessoas?
Se alguém lhe
perguntasse, leitor, qual é o fator crítico que mais nos afasta de uma cultura
de inovação, seja nas empresas, seja na sociedade brasileira de modo geral, o
que você responderia?
Muitos
apontariam dificuldades em pesquisa e desenvolvimento. Ou falta de capital. Eu
estou convencida de que a chave está na ausência de determinada “ética das
virtudes”.
Há inúmeras
oportunidades de inovação se pararmos para compreender os valores, a cultura
material, as formas de aquisição, fruição e descartes de mercadorias, e as
lógicas culturais que definem demandas e desejos dos consumidores.
Os estudos em
antropologia do consumo ajudam a ver quão valiosos são esses saberes como
bússolas para a inovação. Porém não creio que sejam necessários antropólogos,
designers e outros especialistas para enxergar oportunidades por esse ângulo.
O olhar
antropológico é uma forma de se colocar no lugar do outro; é reconhecer o outro
como diferente e compreendê-lo a seu próprio modo. É um exercício que ajuda a
enxergar oportunidades simples e baratas de empreender.
Qualquer um
que conduza uma inovação pode exercitar o olhar antropológico; basta que haja,
em sua organização, uma ética das virtudes que o oriente nessa direção.
A primeira
virtude necessária para reconhecer o potencial desse novo olhar é a humildade.
Se humildes, podemos ser mais generosos e perceber, ante uma reclamação ou
dificuldade de um cliente, uma necessidade de solução que o atenda melhor e que
possa, igualmente, atender melhor milhares de pessoas.
Isso requer
outras virtudes, como um pouco de paciência, temperança (autocontrole) e
diligência. Com elas, podemos aprender muito cada vez que ouvimos,
interpretando as informações e transformando-as em oportunidades de oferecer
soluções.
A dureza da
vida nos afasta das virtudes. Por exemplo, em vez de paciência e,
consequentemente, do tempo para fazer algo bem feito e com maior valor para o
cliente, buscamos celeridade.
Em vez de
diligência para aprender com o que ouvimos, usamos a lógica da inveja ao fazer
benchmarkings – queremos o que o outro tem e os resultados que atingiu, mas não
necessariamente desejamos aprender como chegou lá.
Então sentimos
irritação, ao nos vermos distantes de onde achamos que deveríamos estar.
Sentimo-nos traídos pelos outros e pelo destino: se trabalhamos tanto, por que
não estamos ainda melhores?
E instala-se o
círculo vicioso que nos dificulta a vida, o trabalho e a inovação: ficamos
irritados, com mais pressa, mais duros e vorazes. Vejo as pessoas cada vez mais
frustradas com o excesso de trabalho que não se traduz em riqueza.
Sei que é
antigo falar de virtudes; ninguém mais fala delas. Mas será que a sabedoria de
nossos ancestrais não é exatamente o bálsamo de que estamos precisando? Acho
curioso, quando penso nisso, que antes de escrever A Riqueza das Nações, o
texto fundador da ciência econômica moderna, Adam Smith escreveu A Teoria dos
Sentimentos Morais, onde as virtudes aparecem como a base para o funcionamento
ideal dos mercados.
Carmen Migueles é Sócia-fundadora da Symballéin,
especializada em gestão de ativos intangíveis, e coordenadora do núcleo de
estudos de sustentabilidade em gestão da FGV.
Publicado na Revista hsmmanagement nº 108,
janeiro/fevereiro de 2015 – Coluna da Carmen Migueles.
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