Por João Humberto de Azevedo
Considerado
o mal do século, o estresse não é propriamente o problema. O problema é como
lidamos com ele e o que nomeamos como sendo algo estressante.
Criativo; ótima comunicação; competente; disposto;
grande poder de concentração; sabe mandar e receber ordens, ouvir e se colocar;
é capaz de estimular o crescimento do grupo e dos indivíduos, além de almejar o
crescimento também para si e para a empresa. Você conhece este semideus?
Ele tem boa aparência e alto grau
de compreensão do comportamento humano; sabe lidar com ataques histéricos de
seus patrões; não se abala quando chamado de incompetente; mostra tranquilidade
quando é colocada sobre seus ombros a responsabilidade de um erro a respeito de
algo que na verdade não lhe competia; tem alto poder de análise e um emocional
impecável. Pois saiba que este é o perfil daquele que as empresas consideram o
“bom profissional”.
Tensões e demandas pessoais e
profissionais são os fatores de estresse no ambiente de trabalho. E quem não as
sente provavelmente não será deste planeta. Pesquisa da Accountemps – empresa
estadunidense especializada em recrutar profissionais temporários, realizada
junto a um grupo de Chief Financial Officers (CFO’s) demonstrou que a maioria
dos entrevistados (41%) considerou que conciliar demandas pessoais e
profissionais era a principal causa do estresse e que fatores relacionados com
as políticas da empresa e conflitos com colegas de trabalho eram apenas o
segundo fator de estresse (28%). Ao contrário do que pensavam muitos experts no
assunto, as longas jornadas de trabalho e a lista excessiva de atribuições
estão longe de serem as principais causas de estresse – somente 9% e 2%,
respectivamente, dos entrevistados indicaram esses dois fatores.
Vera Calvet, fundadora do
Instituto Ráshuah do Brasil (IRB), mestra em Filosofia, concorda em parte com
os dados da pesquisa, mas ressalta que entre as causas emocionais do estresse
no ambiente de trabalho e na vida pessoal estão três importantes fatores: alto
padrão de exigência pessoal, medo e frustração. “O perfil do que as empresas
consideram ser de um bom profissional passa por características de semideuses”.
Vera acrescenta que o bom profissional deve sempre estar pronto para se dedicar
de corpo e alma à empresa, sem hora para terminar um serviço e jamais deixar
que os seus problemas pessoais interfiram em seu trabalho. Precisa saber lidar
com as constantes frustrações positivamente e jamais temer, pois tem confiança,
coragem, ímpeto, bom humor e vitalidade contagiante. O profissional-modelo
também não fica doente ou cansado, nunca falta ao trabalho e tem prazer em
trabalhar durante suas férias quando requisitado. Existirá algum terráqueo
assim?
“Quando se trata de uma mulher, a
perfeição é que ela não tenha filhos e, de preferência que nunca engravide. E o
mais importante, esse profissional perfeito não deve ganhar acima do que a
empresa acha que vale o seu trabalho, ou que esteja disposta a pagar”. É
realmente longa a lista dos poderes desse super-herói imaginário. “Como se não
bastasse este padrão utópico de profissional, têm sido estabelecidos também
altos padrões para diversos setores de nossas vidas, pois existem padrões
estéticos onde a beleza física é um padrão, padrões de relacionamentos
perfeitos, etc.”, complementa Vera e questiona: “Como não viver em permanente
estado de medo e frustração diante de tamanhos absurdos”?
Ao consultório da terapeuta, a
maioria dos pacientes chega com sintomas físicos bastante acentuados, outros
com sintomas emocionais devastadores para seus relacionamentos pessoais ou
profissionais. “O estresse não é propriamente uma doença, mas um estado do
organismo quando submetido ao esforço e à tensão. Diante de uma situação
estressante, o corpo sofre reações químicas que preparam o organismo para
enfrentar este desafio. O prejuízo, entretanto, acontece quando essas situações
são contínuas e o organismo começa a sofrer com as constantes reações químicas
que se sucedem, sem que haja tempo para a eliminação dessas substâncias e sem o
tempo necessário para o descanso e recuperação física e emocional”, explica
Vera.
O
que é estresse?
O Dr. Vladimir Bernik,
psiquiatra, coordenador da Clínica de Estresse de São Paulo, fez um relato
interessante no site www.cerebromente.org.br,
para explicar o que é estresse. Diz ele que o mundo surpreendeu-se com a
notícia de que a espaçonave russa – estação espacial Mir (Paz) – ficara sem
energia por uma ordem errada do comandante Vladimir Tsibliev. O médico que
cuida dos tripulantes, Igor Goncharov, explicou com a maior naturalidade que o
engano fora resultante do estresse do comandante. Nunca a palavra estresse
ganhou tamanha notoriedade em circunstâncias tão dramáticas. “E o que é
estresse”? indaga Bernil no artigo, para em seguida explicar que não há ainda
uma definição nos compêndios de patologia médica e busca no dicionário Aurélio
uma definição de estresse (em bom português): "o conjunto de reações do
organismo a agressões de ordem física, psíquica, infecciosa, e outras capazes
de perturbar a homeostase (equilíbrio)”. Hoje o termo estresse é amplamente
usado na linguagem atual e nos meios de comunicação. Designa uma agressão, que
leva ao desconforto, ou as consequências desta agressão.
Hans Selye, o criador da moderna
conceituação de estresse, considera o estresse fisiológico como uma adaptação
normal; quando a resposta é patológica, em indivíduo mal adaptado registra-se
uma disfunção, que leva a distúrbios transitórios ou a doenças graves e, no
mínimo, agrava as já existentes e pode desencadear aquelas para as quais a
pessoa é geneticamente predisposta. “Aí se torna um caso médico por excelência.
Nestas circunstâncias desenvolve-se a famosa síndrome de adaptação, ou a luta e
fuga (fight or flight)”, de acordo com o próprio Selye. Para ele “o estresse é
o resultado de o homem criar uma civilização que ele, o próprio homem, não mais
consegue suportar”. Há estudos demonstrando que atualmente o estresse atinge
cerca de 60% de executivos, e tem sido chamado de doença do século ou doença do
terceiro milênio. Trata-se de um sério problema social e econômico; trata-se de
uma preocupação de saúde pública. O estresse ceifa pessoas ainda jovens, em
idade produtiva e geralmente ocupando cargos de responsabilidade, imobilizando
e invalidando as forças produtivas e excluindo-as das atividades necessárias ao
desenvolvimento de um país. Segundo o Dr. Bernik, não se sabe exatamente a
incidência no Brasil, mas nos Estados Unidos são gastos de US$ 50 a US$ 75 bilhões
por ano em despesas diretas e indiretas. Isto significa uma despesa de US$ 750
por ano por pessoa que trabalha. “A vulnerabilidade hereditária, aliada à
preocupação com o futuro, num tempo de incertezas, de um país que estabiliza a
moeda, mas aumenta o número de desempregados – ao mesmo tempo em que a
qualidade de vida piora – existem os medos do empobrecimento, do envelhecimento
em más condições, além de alimentação inadequada, pouco lazer, falta de apoio
familiar e consumismo exagerado. Todos são fatores pessoais, familiares,
sociais, econômicos e profissionais, que originam a sensação de estresse e seu
consequente desencadeamento de doenças, de uma simples azia à queda
imunológica, que pode predispor infecções e até neoplasias”.
Os
sintomas
A terapeuta Vera Calvet observa
que por não ser exatamente uma doença, os sintomas do estresse são indefinidos
e ao mesmo tempo abrangentes. “Podem ir de uma dor de cabeça, distúrbios do
sono, irritabilidade, cansaço, dificuldade de concentração ou tensão muscular,
até dificuldades respiratórias, dificuldade de memória, problemas digestivos,
pressão alta, problemas cardíacos, e até mesmo distúrbios psíquicos como
síndromes, depressão e pânico”.
Ela esclarece que existem
diferentes gradações e sinais que podem ser atribuídos ao estresse, embora
todos nós estejamos expostos a ela diariamente. Algumas pessoas não são tão
suscetíveis em um primeiro momento, outras não notam tão claramente a pressão
emocional que estejam sofrendo até que adoeçam ou sofram algum tipo de desequilíbrio
emocional, e há ainda as que, ao contrário, são extremamente suscetíveis.
“Existem outros sintomas mais
sutis, mas esses são os principais que podemos citar como bons sinais de
alerta”, complementa. Mas, ela pondera que é possível gerenciar o estresse,
mesmo porque ele faz parte da vida cotidiana, uma vez que vivemos em sociedade
e todas as nossas ações vão interferir na vida de outras pessoas. “A menos que
se torne um eremita, mesmo assim terá seu próprio nível de estresse, pois para
nos suprir, precisamos lidar com as exigências cotidianas da vida social que
temos. O estresse não é propriamente o problema. O problema é como lidamos com
ele e o que nomeamos como sendo algo estressante! O que é extremamente
estressante para uns, não é para outros! Daí, podemos concluir que a única
forma de lidarmos com o estresse é nos conhecermos cada dia mais para sabermos
detectar onde estamos exigindo de nós mesmos, mais do que poderíamos".
Como lidar com o estresse no
ambiente de trabalho? “As exigências estão aí e fazem parte da vida cotidiana.
Mas o quanto conhecemos de fato a nós mesmos, o quanto estamos conscientes de
nossos poderes e limites, o quanto podemos reconhecer o que nos traz felicidade
e realizações profissionais de verdade, o quanto estamos dispostos a correr
riscos ou pagarmos o preço de nossas atitudes, enfim, o quanto temos de poder
de adaptação e autoconhecimento é que é a chave para lidarmos com o estresse”,
ressalta Vera e aconselha: “Procure investigar a verdade de seus sentimentos e desejos!
Lembre-se de que, em média, das catorze horas que passamos acordados por dia,
80% delas são destinadas à locomoção e ao trabalho. Seu trabalho precisa ser
prazeroso”.
Vera costuma dizer a seus alunos
que estamos diante do enigma da grande esfinge: Decifra-me ou eu te devorarei!
“E a esfinge, somos nós! A esfinge é você! Decifre a si mesmo ou poderá ser
devorado pelo personagem que criou, sem perceber! Preste atenção aos sintomas
de que sua vida esteja mais estressante do que suporta! Preste atenção ao medo
e às frustrações. Faça uma auto-observação e, principalmente, tome uma atitude
consciente, agora! Você merece! Faça isso por si e pelas pessoas a sua volta!
Conhecer a si mesmo pode ser o melhor e mais gratificante que terá em sua
vida”!
Como
administrar o estresse
Pressão para o cumprimento de
metas, reuniões, trânsito, entre outros, são responsáveis pelo estresse que
afeta o rendimento e as relações do profissional no ambiente de trabalho. De
acordo com dados da Iternational Stress Management Association (ISMA-BR), o
estresse afeta 70% dos brasileiros, sendo que 30% sofrem com níveis elevados. Algumas
medidas simples podem minimizar este mal que afeta tantos trabalhadores
brasileiros:
Respirar fundo nos momentos mais
complicados;
Deixar a mesa de trabalho por
alguns minutos para tomar água ou café é outra medida importante para gerenciar
a pressão;
Sair do foco do assunto gerador
do estresse, mesmo que por pouco tempo;
Realizar atividades que permitam
que o profissional se “desligue” dos problemas, como: exercícios físicos, yoga,
ouvir música ou simplesmente assistir TV.
Além disso, os terapeutas
ocupacionais dão algumas dicas para administrar melhor o estresse: organize seu
tempo e faça dele um aliado; trabalhe naquilo que lhe dá prazer; equilibre trabalho
e lazer; reserve tempo para si mesmo; substitua os pensamentos negativos por
positivos, mudando a forma de pensar; descanse adequadamente à noite; procure
alguém para conversar ou desabafar; ajude alguém, isso melhora a sua
autoestima.
Publicado
na Revista Brasileira de Administração.
Edição
nº 89. Julho/agosto 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário