Por
Carmen Miguelles
Essa pode ser uma excelente maneira de garantir a boa governança da
empresa, com indicadores realistas, e construir o futuro pela inovação fácil e
barata.
A governança no Brasil evoluiu muito nas últimas duas
décadas. O nível de formação dos gestores e a profissionalização das empresas
avançaram significativamente. Nosso estilo autoritário, extremamente
hierárquico, personalista e paternalista vem abrindo espaço para novos arranjos
organizacionais. O fato, porém, é que ainda vemos barreiras expressivas para
dar passos mais largos na direção da diferenciação competitiva e da
sustentabilidade dos negócios.
Investidores com projetos de retorno no longo prazo, como
os fundos de pensão, têm dúvidas sobre onde investir aqui, por exemplo. Que
empresas brasileiras possuem projetos de longo prazo capazes de garantir a
continuidade ou o aumento da lucratividade no tempo? Como saber se a gestão
está sendo conduzida de modo a produzir resultados futuros?
Os fundadores de empresas familiares que saem da gestão
para o conselho ficam em posição semelhante. Estudos de governança falam sobre
o alinhamento entre agente (executivo contratado) e principal (capitalista)
como um desafio no mundo todo, mas para nós o poço é mais fundo.
Avaliamos a gestão só por indicadores financeiros. Isso
gera um círculo predatório para o negócio e reduz o compromisso do gestor com o
futuro. Leva ao planejamento reativo e de curto prazo, ao foco em tarefas, à
redução dos custos, o que sufoca a operação. A empresa se posiciona como
commodity, que disputa mercado com base no preço.
Além do mais, como quem está de fora sabe se a informação
dada pelos executivos é confiável? Como ter certeza de que, na busca de
resultados e bônus fantásticos, eles não estão cavando a sepultura?
Falando em futuro, culturas de inovação só florescem onde
há suporte para a exímia execução, o que significa que a disciplina operacional
não é ameaçada por estrangulamento de recursos ou por processos desenhados sem
a participação de quem faz.
Ao contrário do senso comum atual, diante das restrições
relevantes ao negócio, talvez importe menos promover a criatividade e mais
aquilo de que o cliente precisa, aquilo que a organização consegue produzir, o
limite dos recursos disponíveis para investir.
A
solução criativa surge na busca de alternativas às restrições – essas são as
inovações de fácil implementação e de mais baixo custo. E elas não surgem sem
confiarmos no executor, sem que ele tenha informações relevantes. A construção
da autonomia e da corresponsabilidade por resultados até a base da empresa é
fundamental para isso, bem como os mecanismos horizontais de coordenação e o
compromisso da liderança com todo esse processo.
OS
MESMOS INTERESSES
Empresas de países com cultura nacional com mais
confiança entre os agentes econômicos, como Alemanha e Japão, já resolveram em
parte esse desafio da participação: elas colocam representantes dos
funcionários no conselho de administração.
Isso não parece ser possível no contexto brasileiro, como
todos sabemos. Mas e se os funcionários pudessem apresentar projetos e discutir
seu progresso com uma plateia de conselheiros, em um conselho de gestão
alternativo?
Lembre que as empresas hoje empregam trabalhadores do
conhecimento e que estes têm como característica investir em uma capacitação
útil ao trabalho naquela empresa, não no mercado. Esses profissionais têm o
mesmo interesse dos acionistas no crescimento e lucratividade do negócio; sua
carreira depende disso.
Carmen Miguelles é Sócia-fundadora da Symballéin,
especializada em gestão de ativos intangíveis e coordenadora do núcleo de
estudos de sustentabilidade em gestão da FGV.
Artigo
publicado na Revista HSM Management, número 103, março/abril de 2014. Coluna da
Carmen Miguelles
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