Por
Eduardo Salgado
UMA
DAS AUTORAS DO ESTUDO QUE INCENDIOU O DEBATE SOBRE O PESO DA HABILIDADE INATA E
DO TREINAMENTO PARA CHEGAR A EXCELÊNCIA NÃO TEM DÚVIDA: SÓ O ESFORÇO NÃO BASTA.
“As
pessoas gostam de pensar que somos todos iguais. Infelizmente, não é bem
assim”.
Brooke Macnamara
“Será
que sou bom nisso? Estou investindo quantidade de tempo suficiente para
melhorar?” Quantas vezes fazemos esse tipo de pergunta ao longo da vida nas
variadas situações? Há mais de 100 anos, a ciência tenta explicar por que
algumas pessoas são excepcionais enquanto outras, a despeito da aplicação em
termos de energia e tempo, nunca passam do razoável. Quanto pode ser atribuído
ao talento inato e quanto corresponde a esforço? Brooke Macnamara, professora
de psicologia na Case Western Reserve University, e mais dois colegas reuniram
os 88 estudos mais renomados já realizados nessa área, analisaram todos os seus
dados e lançaram em julho um estudo na publicação acadêmica Psychological
Science. As conclusões do trabalho, considerado a revisão mais completa já
feita até hoje, abalaram algumas certezas e trouxeram para a ordem do dia o
debate sobre o que faz estudantes, atletas, músicos e profissionais ser muito
acima da média. A principal contribuição: dedicar muito tempo a uma tarefa não
fará ninguém virar fora de série.
As pessoas com alto
desempenho nascem assim ou são treinadas para chegar à excelência?
Não dá para simplificar tanto assim. Há muitos fatores
envolvidos em determinar quem vira um “excepcional”. Também depende da área de
atuação. Num jogo de xadrez, os jogadores que tiverem herdado uma inteligência
maior e uma memória melhor terão vantagens. Mas há outros fatores que
determinam o sucesso. Experiência é um deles. Com base em nosso estudo, porém,
derrubamos a noção de que tempo dedicado à prática é a principal responsável
pelo sucesso, como muitos andaram dizendo nos últimos tempos.
Alguns anos atrás, o
escritor Malcolm Gladwell ficou famoso ao mencionar estudos que mostram que a
diferença entre violinistas e pianistas excepcionais e os bons é o tempo de
treino. O traço comum da genialidade seriam 10.000 horas de prática. Isso está
errado?
Não tem nada de mágico em 10.000 horas de treino. Na
verdade, a prática exigida varia de acordo com a tarefa. Algumas atividades
precisam de muito mais horas. O tempo necessário também depende da pessoa. A
ideia de que a dedicação é tudo tem muito apelo. As pessoas querem acreditar
que qualquer um pode alcançar o que quiser. É igualitário achar que, com muito
empenho e treino, somos todos capazes. Mas infelizmente não é bem assim. Só o
esforço não basta.
Por que, então, a ideia
das 10.000 horas ganhou tanta força?
Isso é recente. Alguns trabalhos das últimas décadas
deram mais ênfase ao treinamento, tiveram exposição na mídia e ganharam ares de
“verdade absoluta”. O debate sobre se a genética ou as influências do ambiente
são mais importantes ocorre desde o século 19. O inglês Francis Galton, um dos
primeiros a propor a discussão, foi colocado num extremo, o que dava muito peso
à genética. O americano John B. Watson, criador do behaviorismo, foi
considerado, décadas mais tarde, o oposto de Galton. Na verdade, tanto um como
o outro diziam que genes e ambiente são importantes.
O que a faz ter tanta
certeza de que o ambiente não é determinante?
Avaliamos pesquisas nas áreas de música, esportes,
profissões, educação e jogos de mesa. O treinamento parece ser mais importante
em jogos como xadrez. O tempo dedicado ao treinamento explica 26% da diferença
de performance, ou seja, por que alguns jogadores são excepcionais e outros
não. Em música, o percentual foi de 21%; em esporte, 18%; e em educação o
número foi de 4%.
Apenas 4%? Então estudar
não adianta muito?
Não é isso. Antes de tudo, vale ressaltar que a prática é
importante para atingir a excelência. Também quero evitar uma interpretação
errada desses 4%. Não estou dizendo que estudar vai fazer com que uma pessoa só
melhore seu desempenho 4%. Não é isso. Quando quantificamos os fatores que
afetam a diferença de desempenho entre os melhores e os piores alunos de uma
sala de aula, o tempo dedicado ao estudo explica 4% do todo. Os demais 96% que
afetam a diferença são explicados por outros fatores. Isso não deveria ser
surpreendente para ninguém. Nas escolas, são comuns os casos de alunos que
aprendem rapidamente quando o professor fala em sal de aula, estudam pouco
tempo em casa e vão bem nas provas; e daqueles que têm mais dificuldades,
estudam muito mais e, às vezes, não tiram notas tão boas.
De que modo isso deve
afetar a forma como pais criam seus filhos e professores ensinam aos alunos?
Mesmo correndo o perigo de dizer algo meio óbvio, talvez
valha a pena ressaltar que o aluno que tem dificuldades certamente se dará
melhor se estudar mais. Olhando de forma mais ampla para outras áreas, é
importante incentivar as crianças a ter várias experiências. A idade em que
cada um começa a praticar uma atividade também pode ser determinante. Motivação
é outra coisa crucial, e pais e educadores têm um papel a exercer aí.
Qual é o papel do
treinamento no mundo do trabalho?
Os estudos que existem sobre treinamento na área
profissional ainda são restritos. Há alguma coisa sobre atividades como piloto
de aeronaves militares, programadores de computador e vendedores de seguro. São
profissões muito diferentes para que a gente chegue a algo conclusivo. Fora
isso, há um debate sobre a definição de treinamento – se inclui experiência
profissional ou não. Dito isso, acho difícil que o treinamento apareça como o
fator mais determinante para uma pessoa chegar à excelência.
Ou seja, as empresas
precisam ter melhores instrumentos para identificar o talento nas entrevistas
de emprego em vez de se dedicar tanto aos treinamentos?
O que posso dizer é que há uma série de fatores que
influenciam o desempenho no trabalho e não sabemos quais mais contribuem para o
sucesso. Precisamos estudar um número maior de profissões e analisa-las a fundo.
Publicada na revista Exame, nº 15, edição 1071 de
20/08/2014.
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