Para
o professor David E. Bloom, da Universidade Harvard, um dos maiores
especialistas em demografia do mundo, governos e empresas devem se adaptar para
tirar vantagem do envelhecimento da população mundial.
“Ante
um pano de fundo de ansiedade econômica causada pela recente crise financeira,
falar em tendências demográficas parece secundário. Mas o envelhecimento das
nações tem preocupado bastante alguns analistas econômicos. Espera-se que o
número de centenários mais do que duplique em todo o mundo até 2030. Há
projeções que indicam quase 3,4 milhões deles até 2050 – isso num cenário de
queda de fertilidade. Alguns países ficarão mais velhos mais depressa do que
outros. No Brasil, o envelhecimento da população está se acelerando
dramaticamente. Uma análise de longo prazo deixa isso claro. O país levou seis
décadas para ver a participação das pessoas acima de 60 anos aumentar de 5% da
população para os atuais 10%. Nos próximos 40 anos, esse percentual deverá
chegar a 30%. Em 2050, o número de brasileiros acima de 60 anos totalizará
cerca de 70 milhões – quase a população atual da França. Os brasileiros com
mais de 80 anos serão mais de 16 milhões.
As
preocupações dos economistas com o envelhecimento giram em torno de escassez de
trabalhadores, crescimento econômico mais lento e sistemas de previdência e
assistência médica sob pressão. Para alguns, envelhecimento populacional
significa aumento no número de idosos frágeis, solitários e isolados em
instituições que oneram sua família. Em outro cenário terrível, a morte é
adiada, mas o surgimento de doenças crônicas, a decadência física e mental e a
perda de independência se impõem. Em todos esses casos, o prolongamento da vida
significa apenas mais miséria. Além disso, argumentam esses economistas, os
idosos não trabalham nem poupam como a maioria dos adultos. Por isso, muitos
preveem que o envelhecimento vai pesar sobre as gerações mais jovens, obrigadas
a financiar os sistemas de aposentadoria e de saúde.
As
visões alarmistas não resistem, porém, a uma análise mais profunda. Primeiro
porque vale sempre lembrar que o aumento da longevidade é uma das conquistas
mais notáveis da humanidade – uma consequência dos avanços em saúde pública,
educação e desenvolvimento econômico. Fora isso, o envelhecimento da população
não se traduz automaticamente numa catástrofe econômica e social. Há
estratégias que podem ser adotadas para minimizar possíveis problemas causados
pelo envelhecimento, como mudanças nas regras de aposentaria, políticas
trabalhistas favoráveis a mulheres e programas de treinamento para
trabalhadores mais velhos. Com toda certeza, o veredito sobre esse tsunami
grisalho ainda não foi dado.
É
curioso perceber que, em vários países onde o fenômeno já é mais marcante, as
mudanças demográficas estimulam transformações comportamentais e tecnológicas,
provocam inovações e promovem ajustes institucionais que, com frequência,
compensam a força da nova configuração geracional. Tudo depende da preparação e
do poder de adaptação, tanto do ponto de vista individual como coletivo.
Antecipar uma vida mais longa significa que as pessoas provavelmente pouparão
mais para os anos em que não estarão trabalhando. Indica também a revisão de
políticas de aposentadoria para desestimular a saída precoce do mercado de
trabalho.
Quando
o assunto é adiar a aposentadoria, vale sempre se perguntar se as pessoas mais
velhas vão querer trabalhar por mais anos. Tudo indica que sim. As tecnologias
contra o envelhecimento e os estilos de vida mais saudáveis não têm só
aumentado a longevidade, mas tornado a velhice mais vigorosa. Com melhor saúde,
os empregados mais velhos provavelmente desejarão ser produtivos por mais
tempo. Se essa previsão se concretizar, algumas práticas terão de ser revisadas
no setor privado. Os locais de trabalho mais favoráveis a idosos incluem uma
série de adaptações, de cargos e horários flexíveis a oportunidades de
retreinamento.
Como
fechar a conta
Do ponto de vista dos governos, considerar
as pessoas idosas um recurso é fundamental para cobrir uma potencial escassez
de mão de obra. Aumentar a idade legal de aposentadoria promoverá maior
produtividade e renda durante o tempo de vida – isso sem falar em todos os
benefícios sobre as contribuições previdenciárias. Nos Estados Unidos, a
participação na força de trabalho de indivíduos idosos vem aumentando desde
meados da década de 90, mais especialmente entre aqueles com maior nível de
escolaridade. Quanto antes as reformas necessárias para enfrentar um futuro
mais grisalho forem iniciadas, mais suave será a transição para uma população
mais velha.
Por tudo isso, no futuro provavelmente
teremos uma nova visão sobre a velhice. A ideia de envelhecimento deixará de
ser associada ao acréscimo de anos à vida e passará a significar mais vida aos
anos. Esse novo entendimento sobre o assunto tornará mais evidente as
oportunidade de negócios criadas pelo aumento da população amis velha, com suas
necessidades e interesses específicos, algo que poucas empresas já perceberam.
Mesmo nesse cenário que pode ser mais otimista, ainda há uma batalha no campo
da imagem que precisa ser ganha. Ver idosos por uma ótica discriminatória de
declínio só consolida estereótipos. Mais esforços para traçar um quadro
realista dos idosos – ilustrando sua sabedoria, experiência, autoridade moral e
liderança – vão melhorar a vida deles e os tornarão mais valiosos no mercado de
trabalho.
Em resumo, demografia não é um destino.
Historicamente, mudanças demográficas criaram desafios importantes para as
sociedades. Mas as adaptações que foram realizadas para reverter as
desvantagens têm sido igualmente notáveis. Há não muito tempo, pessoas de 40
anos sofriam preconceito no mercado de trabalho. Aos 50 anos eram consideradas
idosas e muitas se aposentavam. Numa economia cada dia mais globalizada e mais
regida pelo conhecimento, a experiência de trabalhadores idosos pode ser
inestimável. Pesquisas com empregadores comumente revelam que os trabalhadores
com mais de 60 anos são vistos como experientes, informados, confiáveis e
leais. Ou seja, horas de voo já são contabilizadas como ativo, não como uma
desvantagem. O futuro, sem dúvida, será de cabelos brancos. Não apenas em
asilos, consultórios médicos e hospitais. Mas em escritórios, fábricas,
cinemas, shopping centers, aeroportos, lugares turísticos...”.
David E. Bloom é economista e professor de
demografia na Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados
Unidos.
Publicado na Revista
Exame, edição 1.068, ano 48, nº 12, de 09/07/2014.
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