Por
Betania Tanure
O
desejo inespecífico de mudança da sociedade brasileira precisa ficar específico
nas empresas; valores dos quais as pessoas possam se orgulhar devem ter o mesmo
peso de visão de futuro e competência de execução.
O ano vem
terminando e debatemo-nos com um desejo inespecífico de mudança. Mas, se
queremos que o Brasil seja um país sério, uma sociedade madura, um povo que
luta por um ambiente justo, está claro, a meu ver, que precisamos mudar alguns
de nossos valores.
Um dos que
mais me chamam a atenção é bem representado por um ditado popular: “A ocasião
faz o ladrão”. Precisamos ressignificar esse pensamento, convertendo-o em: “A
ocasião revela o ladrão”. É o que a realidade mostra: uma circunstância tal denuncia
o ladrão, nos permite ver quem ele é, tira-lhe o véu. Mudar essa velha crença é
mais importante do que nunca no Brasil atual.
Parece que
estamos chegando ao limite dos delatos de esperteza, da mistura nefasta do que
é público com o que é privado, dos valores familiares. Neste momento de sua
história, a sociedade brasileira está prestes a perder valores fundamentais,
entre os quais alguns de ordem ética e moral ocupam posição de destaque.
Essa discussão
sobre mudança tem de estar fortemente presente no ambiente empresarial. É nele
que se fala em colaboração, mas em surdina pratica-se a competição desleal. É
nele que se prega o bem comum, mas cada um se preocupa, em primeiro lugar, com
sua meta individual, muitas vezes conflitante com a do vizinho. É nele que se
exaltam o respeito pelas pessoas e sua importância para a empresa, mas o que
elas percebem, de fato, é que se tornaram descartáveis. E por aí vai.
Agir em
conformidade com os procedimentos recomendados na empresa? Seguir as leis e regulamentos?
Tudo é relativizado. Enquanto isso, as áreas de compliance – cuja efetividade, é bom lembrar, relacionam-se
diretamente com padrões de honestidade e integridade – têm cada vez mais
trabalho.
O maior
desafio de mudança que temos nas organizações brasileiras atuais está em saber
combinar visão de futuro (também podemos chama-la de propósito ou de ambição) e
competência de execução com outro elemento fundamental: valores dos quais as
pessoas possam sentir orgulho.
O que move os
indivíduos na direção de um projeto são seus ideais, seu desejo de construir
algo, seu entusiasmo em mudar o curso de uma história. E, por isso, não vale
qualquer acordo nem qualquer iniciativa; esse movimento tem de ser baseado em
valores sólidos.
Há quem fale
com orgulho que não rouba, não trapaceia, não quer tirar vantagem, como se
esses comportamentos fossem atributos elogiáveis. Conforme tal raciocínio, as
pessoas mereceriam um prêmio por ser honestas. Isso se traduziria em valores
sólidos?
Não. Isso só
confirmaria a perspectiva de que todos têm seu preço. Eu, pessoalmente, não
compartilho dessa perspectiva, assim como não acredito que a ocasião faz o
ladrão. Mudar essas crenças é um de nossos desafios na construção de nossas
famílias, de nossas empresas, de nosso país.
Betania Tanure é professora da PUC Minas Gerais e do
Insead, da França, consultora da Betania Tanure Associados e coautora de
Estratégia e Gestão Empresarial com Sumantra Ghoshal, entre outros.
Publicado na revista HSM Management, edição nº 107 –
nov/dez de 2014.
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