quinta-feira, 27 de agosto de 2015

EMPRESAS, GOVERNOS E A HORA DE MUDAR.


Por Betania Tanure

Pesquisa mostra que empresários preveem reduzir investimentos e até pessoas, sem boas expectativas para 2015; essa é a “deixa” para mudar.

Em uma empresa a mudança ocorre por três causas-chave: fusões e aquisições, a troca do principal dirigente e a crise. Para efeito desta análise, quero me deter um pouco no conceito de crise.
Ela deve ser qualificada de duas formas. A primeira, mais comum, é a econômico-financeira, contexto em que se torna objetiva e, para a maioria das pessoas, visível. Os indicadores apresentados na “última linha” são claros e inequívocos. Ou muda ou morre. Ou muda ou é vendida, mesmo que perca valor.

A ação da direção é decisiva na recuperação, ou morte, da empresa. Lucidez de raciocínio, coragem de admitir a situação e os próprios erros, de fazer diferente, de mobilizar as pessoas são pré-requisitos para o sucesso dessa ação. Outros indicadores também devem ser analisados: a empresa cresce consistentemente? Ganha ou perde market share? É objeto de desejo de executivos não apenas em razão do poder do cargo mas pelo propósito que tem? As pessoas se orgulham de trabalhar nela?

Há ainda uma segunda forma de crise que diz respeito ao potencial de desempenho da empresa e sua sustentabilidade. Os números ainda são sadios, porém ou não indicam que o sucesso terá vida longa, ou revelam que não se está explorando o potencial positivo apresentado pelo negócio.

Nessa situação, a maioria dos executivos não vê motivo para implantar mudanças e, sem a visão de um verdadeiro dirigente, que saiba combinar as capacidades do gestor com as do líder, as mudanças não ocorrerão mesmo.

Em qualquer uma dessas duas crises, o propósito de mudança tem de ser muito claro e beneficiar todos os envolvidos, não apenas os que estão no poder. Mais: ambos os casos exigem vontade, coragem e disciplina para mudar e para criar uma estrutura que dê suporte à transformação doa ambiente organizacional.

Agora, vamos aos dados. Em pesquisa que fiz após as eleições do segundo turno em 2014, 47% dos executivos em posição de presidência e conselho afirmaram que diminuirão a o atual nível de investimentos; 3%, que vão aumenta-lo e 50%, que vão mantê-lo. Quanto ao quadro de pessoal, 45% previram redução; 10%, aumento e 45% pretendiam preservar o atual. Por fim, 77% projetaram desempenho mediano da empresa.

Com base no que foi apresentado, faço duas provocações. A primeira é para você, empresário. Não se conforme com o desempenho mediano. Analise bem se não é hora de, corajosamente, orquestrar um processo de transformação e mudar sua empresa, influenciando proativamente seu cenário. Em tempos difíceis, só os melhores têm desempenho excepcional. Você está entre eles? Se não está, sugiro que busque estar.

A outra provocação é para nossos governantes. Se os empresários enxergam o cenário aqui descrito, a hora não é de mudar o ambiente de negócios para que seja mais atrativo? Não adianta apenas discordar dos dados ou “matar a mensageira”. As pessoas agem de acordo com suas percepções, mesmo que outras discordem delas.

Mudanças, seja na empresa, seja no Brasil, são as condições para que todos os brasileiros, independentemente de convicções político-partidárias, desejam: um país melhor e mais justo. No entanto, elas demandam energia de nós.

Betania Tanure é professora da PUC Minas Gerais e do Insead, da França, consultora da Betania Tanure Associados e coautora de Estratégia e Gestão Empresarial com Sumantra Ghoshal, entre outros.

 Publicado na revista HSM Management, edição nº 108 – jan/fev de 2015.








quarta-feira, 19 de agosto de 2015

OCASIÃO SEM LADRÃO


Por Betania Tanure

O desejo inespecífico de mudança da sociedade brasileira precisa ficar específico nas empresas; valores dos quais as pessoas possam se orgulhar devem ter o mesmo peso de visão de futuro e competência de execução.

     O ano vem terminando e debatemo-nos com um desejo inespecífico de mudança. Mas, se queremos que o Brasil seja um país sério, uma sociedade madura, um povo que luta por um ambiente justo, está claro, a meu ver, que precisamos mudar alguns de nossos valores.
     Um dos que mais me chamam a atenção é bem representado por um ditado popular: “A ocasião faz o ladrão”. Precisamos ressignificar esse pensamento, convertendo-o em: “A ocasião revela o ladrão”. É o que a realidade mostra: uma circunstância tal denuncia o ladrão, nos permite ver quem ele é, tira-lhe o véu. Mudar essa velha crença é mais importante do que nunca no Brasil atual.

     Parece que estamos chegando ao limite dos delatos de esperteza, da mistura nefasta do que é público com o que é privado, dos valores familiares. Neste momento de sua história, a sociedade brasileira está prestes a perder valores fundamentais, entre os quais alguns de ordem ética e moral ocupam posição de destaque.

     Essa discussão sobre mudança tem de estar fortemente presente no ambiente empresarial. É nele que se fala em colaboração, mas em surdina pratica-se a competição desleal. É nele que se prega o bem comum, mas cada um se preocupa, em primeiro lugar, com sua meta individual, muitas vezes conflitante com a do vizinho. É nele que se exaltam o respeito pelas pessoas e sua importância para a empresa, mas o que elas percebem, de fato, é que se tornaram descartáveis. E por aí vai.

     Agir em conformidade com os procedimentos recomendados na empresa? Seguir as leis e regulamentos? Tudo é relativizado. Enquanto isso, as áreas de compliance – cuja efetividade, é bom lembrar, relacionam-se diretamente com padrões de honestidade e integridade – têm cada vez mais trabalho.

     O maior desafio de mudança que temos nas organizações brasileiras atuais está em saber combinar visão de futuro (também podemos chama-la de propósito ou de ambição) e competência de execução com outro elemento fundamental: valores dos quais as pessoas possam sentir orgulho.

     O que move os indivíduos na direção de um projeto são seus ideais, seu desejo de construir algo, seu entusiasmo em mudar o curso de uma história. E, por isso, não vale qualquer acordo nem qualquer iniciativa; esse movimento tem de ser baseado em valores sólidos.

     Há quem fale com orgulho que não rouba, não trapaceia, não quer tirar vantagem, como se esses comportamentos fossem atributos elogiáveis. Conforme tal raciocínio, as pessoas mereceriam um prêmio por ser honestas. Isso se traduziria em valores sólidos?

     Não. Isso só confirmaria a perspectiva de que todos têm seu preço. Eu, pessoalmente, não compartilho dessa perspectiva, assim como não acredito que a ocasião faz o ladrão. Mudar essas crenças é um de nossos desafios na construção de nossas famílias, de nossas empresas, de nosso país.

 Betania Tanure é professora da PUC Minas Gerais e do Insead, da França, consultora da Betania Tanure Associados e coautora de Estratégia e Gestão Empresarial com Sumantra Ghoshal, entre outros.

Publicado na revista HSM Management, edição nº 107 – nov/dez de 2014.




sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O NARCISISMO POR TRÁS DO LÍDER


Por Angela Maciel

Os modelos de liderança atuais atraem personalidades narcisistas; as organizações precisam estar atentas aos efeitos indesejáveis disso, especialmente aos altos índices de estresse que líderes narcisistas geram nos liderados.

     Certa vez, Narciso encontrou uma fonte límpida rodeada de relva e, ao invés de inclinar-se para beber água, foi seduzido pela imagem refletida de sua beleza, apaixonando-se perdidamente por si mesmo.

     Você certamente já aprendeu sobre esse mito grego. Para a psicanálise, uma personalidade de Narciso pode ser devastadora.

     Pessoas narcisistas acreditam ser únicas. Em geral, fantasiam acerca de seu fabuloso sucesso, poder e fama e, paradoxalmente, costumam ter baixa autoestima.

     Freud estudou o fenômeno: um indivíduo, quando apaixonado, priva-se de uma parte de sua energia libidinal, só recuperada ao ser correspondido; assim, quando um narcisista ama sem ser amado, perde sua autoestima.

     Pois saiba o leitor que o mito de Narciso guarda estreita relação com a ação da liderança dominante hoje nas organizações. De acordo com um crescente número de estudos, de Manfred Kets de Vries e outros autores, gestores e consultores legitimam modelos de liderança nos quais o indivíduo narcisista encontra as condições ideais para manifestar seu narcisismo, de modo reativo ou construtivo.

     O líder narcisista reativo apresenta sintomas como exibicionismo, grandiosidade, impiedade, frieza e desejo de dominar. Ele só tolera bajuladores, é um tirano cruel, ignora as necessidades dos subordinados e não aceita críticas de maneira alguma.

     Há um segundo tipo de líder narcisista reativo, que, digamos, é mais “suave”. É o que se autoilude e apresenta sintomas como ausência de empatia, maquiavelismo, medo do fracasso, carência de ideais e foco nas próprias necessidades. Esse líder até mostra interesse por seus subordinados, mas o faz apenas para parecer simpático aos olhos dos outros. No fundo, considera os subordinados como instrumentos e fere-se com as críticas vindas deles.

     E quanto ao narcisista construtivo? Ele existe sim, e, quando manifestado na liderança, apresenta sintomas como senso de humor, criatividade, confiança em si, ambição, energia, obstinação e orgulho. Trata-se de um líder meritocrático, inspirador, que desempenha o papel de mentor e consegue aprender algo com as críticas que lhe fazem.

     No entanto, observe-se que a orientação desse tipo de líder é ao mesmo tempo transformadora e transacional, ou seja, ele inspira os outros ao mesmo tempo em que os usa para atingir os próprios objetivos.

     Será que você reconhece algum tipo desses tipos na liderança de sua empresa? Possivelmente sim, porque as organizações contemporâneas estão especialmente sujeitas a líderes narcisistas em todos os seus níveis.

     Direta e objetivamente, isso significa que as empresas estão sujeitas aos danos que podem ser causados por narcisistas. No entanto, diga-se que o líder com tendências ao narcisismo construtivo também tem muito a oferecer a seus liderados, como a inspiração que já destacamos.

     O problema é que, mesmo no caso desse tipo de líder narcisista, a carga de estresse é grande – afinal, ele sente que tem de manter sua imagem, uma vez que adota o discurso de herói salvador, que cuida de seus subordinados e põe seus interesses à margem dos interesses organizacionais.

     Nem todo líder é um narcisista que distorce a realidade, mas, já que cultivamos um modelo de liderança que atrai narcisos, precisamos redobrar o cuidado com os efeitos potenciais disso.

     Não são poucos: alto nível de rotatividade de pessoal e ameaça ao trabalho em equipe, à iniciativa dos subordinados, aos projetos inovadores.


Angela Maciel é Diretora de soluções educacionais in company da HSM Educação Executiva, atua como consultora de empresas, professora e gerente de projetos da Fundação Dom Cabral. Formada em psicologia pela PUC Minas, também é mestre em educação a distância.

Publicado na revista HSM Management – coluna da hsm, edição nº 111, julho/agosto de 2015.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

A INOVAÇÃO E A ÉTICA DAS VIRTUDES

Por Carmen Migueles

A inovação no Brasil quase sempre aparece associada aos desafios de P&D e a grandes investimentos de capital, mas não seria possível pensa-la olhando para os vínculos estre as pessoas?
     
Se alguém lhe perguntasse, leitor, qual é o fator crítico que mais nos afasta de uma cultura de inovação, seja nas empresas, seja na sociedade brasileira de modo geral, o que você responderia?
     Muitos apontariam dificuldades em pesquisa e desenvolvimento. Ou falta de capital. Eu estou convencida de que a chave está na ausência de determinada “ética das virtudes”.
     Há inúmeras oportunidades de inovação se pararmos para compreender os valores, a cultura material, as formas de aquisição, fruição e descartes de mercadorias, e as lógicas culturais que definem demandas e desejos dos consumidores.
     Os estudos em antropologia do consumo ajudam a ver quão valiosos são esses saberes como bússolas para a inovação. Porém não creio que sejam necessários antropólogos, designers e outros especialistas para enxergar oportunidades por esse ângulo.
     O olhar antropológico é uma forma de se colocar no lugar do outro; é reconhecer o outro como diferente e compreendê-lo a seu próprio modo. É um exercício que ajuda a enxergar oportunidades simples e baratas de empreender.
     Qualquer um que conduza uma inovação pode exercitar o olhar antropológico; basta que haja, em sua organização, uma ética das virtudes que o oriente nessa direção.
     A primeira virtude necessária para reconhecer o potencial desse novo olhar é a humildade. Se humildes, podemos ser mais generosos e perceber, ante uma reclamação ou dificuldade de um cliente, uma necessidade de solução que o atenda melhor e que possa, igualmente, atender melhor milhares de pessoas.
     Isso requer outras virtudes, como um pouco de paciência, temperança (autocontrole) e diligência. Com elas, podemos aprender muito cada vez que ouvimos, interpretando as informações e transformando-as em oportunidades de oferecer soluções.
     A dureza da vida nos afasta das virtudes. Por exemplo, em vez de paciência e, consequentemente, do tempo para fazer algo bem feito e com maior valor para o cliente, buscamos celeridade.
     Em vez de diligência para aprender com o que ouvimos, usamos a lógica da inveja ao fazer benchmarkings – queremos o que o outro tem e os resultados que atingiu, mas não necessariamente desejamos aprender como chegou lá.
     Então sentimos irritação, ao nos vermos distantes de onde achamos que deveríamos estar. Sentimo-nos traídos pelos outros e pelo destino: se trabalhamos tanto, por que não estamos ainda melhores?
     E instala-se o círculo vicioso que nos dificulta a vida, o trabalho e a inovação: ficamos irritados, com mais pressa, mais duros e vorazes. Vejo as pessoas cada vez mais frustradas com o excesso de trabalho que não se traduz em riqueza.
     Sei que é antigo falar de virtudes; ninguém mais fala delas. Mas será que a sabedoria de nossos ancestrais não é exatamente o bálsamo de que estamos precisando? Acho curioso, quando penso nisso, que antes de escrever A Riqueza das Nações, o texto fundador da ciência econômica moderna, Adam Smith escreveu A Teoria dos Sentimentos Morais, onde as virtudes aparecem como a base para o funcionamento ideal dos mercados.

Carmen Migueles é Sócia-fundadora da Symballéin, especializada em gestão de ativos intangíveis, e coordenadora do núcleo de estudos de sustentabilidade em gestão da FGV.

Publicado na Revista hsmmanagement nº 108, janeiro/fevereiro de 2015 – Coluna da Carmen Migueles.


segunda-feira, 20 de abril de 2015

TERCEIRIZAÇÃO


Por Paulo Tolentino Vieira

 
Um assunto corriqueiro volta à polêmica!

 
Alguma instituição, que tenha a capacidade de contratar pessoas para execução das suas tarefas, necessárias ao cumprimento de seus objetivos, resolve fazê-lo usando a intermediação de uma terceira.

Sim, a intermediação institucional é o que caracteriza está prática, que passou, há muito tempo, a se chamar de "terceirização", sobre a qual nossos legisladores procuram agora estabelecer alguns condicionantes de controle em Lei.

Por que alguém optaria por colocar um intermediário impessoal, em algo que, em tese, tenha capacidade de executar diretamente? Sabe-se que a sua simples adoção já implica necessariamente em aceitar um acréscimo nos custos: aqueles relativos à coordenação e à justa lucratividade da instituição eventualmente contratada.

Mesmo num olhar simplista, já pode parecer que é algo que vem em oposição à busca de ganhos de produtividade, pois, sempre gera custos adicionais, que, se não forem devidamente compensadas por outros ganhos operacionais muito maiores, vão se somar, encarecendo o serviço a ser prestado. Uma análise deste ponto deve ser sempre feita, para que a opção aconteça sempre dentro de mínimos critérios econômicos lógicos racionais, quando claramente vantajosos para todos os envolvidos.

Ultrapassada esta questão, puramente de cunho econômico, quando uma equipe terceirizada passa a cooperar, permanentemente, em ambientes onde também atuam grupos contratados diretamente pela instituição, passa a existir, quase na totalidade das vezes, uma discriminação entre pessoas que, embora com tarefas diferentes, concorrem unidas para um propósito comum maior, aquele desejado pela organização contratante, tanto os trabalhadores diretos, como os "terceirizados". Neste sentido, os melhores conselheiros de relações humanas são uníssones em considerar a impropriedade de se estimular qualquer tipo de discriminação, especialmente entre colaboradores que buscam interesses gerais e comuns.

Este aspecto discriminatório, já nocivo em termos da motivação das pessoas envolvidas, passa a acrescentar pontos agravantes quando a devida retribuição ao trabalho se diferencia em natureza. Explico: Excetuando-se os benefícios trabalhistas mínimos legais, que devem obrigatoriamente ser os mesmos para todos, ainda se estabelecem outros, os quais, a prática mostra, vêm sendo muito diferenciados e contribuem para estabelecer, num ambiente de trabalho comum, trabalhadores de categorias diferenciadas, influindo, mais ainda, no aprofundamento discriminatório. Refiro-me aqui a: critérios de estabilidade, cobertura de planos de saúde e de previdência privada, uniformização e filiação sindical, que, na quase totalidade dos casos, existem para uns, inexistindo ou diferenciando-se abruptamente para outros.

Outra questão importante é a transitoriedade contratual de certos serviços, que por sua natureza são permanentes, como, por exemplo, manutenção, limpeza, portaria, secretária, recepção, atendimento de balcão, etc.. Nestes e similares se colocam pessoas que deveriam ser motivadas, além de contraprestações pecuniárias e utilitárias, por anseios de natureza mais duradouros, como ascensão de carreira e compromisso com os objetivos institucionais do trabalho. Num regime de tarefas com prazos limitados e curtos, tais estímulos ficam extremamente dificultados e eventualmente soam mesmo como falaciosos.

Considerando todas essas desvantagens, devemos cuidar com redobrada atenção para que tal alternativa não mascare alguma tentativa de exploração pura e simples de "mão de obra“, tal como se fossem objetos que, numa prateleira, podem ser usados e descartados, quando não mais sejam úteis. Deve-se, portanto, rejeitar qualquer forma de pura exploração do trabalho humano, com pouquíssima ou quase nenhum comprometimento com o desenvolvimento pessoal do trabalhador, com análogos programas de treinamento e desenvolvimento profissional e humano, sempre promovidos por saudáveis organizações empregadoras, socialmente bem inseridas.

Para aqueles tipos de tarefas acima referidas por suas especificidades, onde não há diferencial tecnológico expressivo por parte da instituição prestadora, carece a existência de maiores ressalvas ainda quanto a existência de absoluta ética e lisura processual na contratação e operação, com severa vigilância entre as instituições concorrentes, para que não se abram espaços maiores, para a ocorrência das piores e abomináveis práticas concorrenciais.

Atualmente não é raro se verificar que a maioria de pessoal de atendimento à população, tanto no serviço público como no privado, além de condomínios, vem sendo composto de pessoas desvinculadas dos quadros funcionais dos órgãos promotores do atendimento. Isto vem mostrando maior descompromisso dos atendentes relativamente aos melhores propósitos desejados, transformando aquele contato interpessoal num emaranhado de desentendimentos, algo que vem se assemelhado com as perversas consequências dos "call centers" já, há muito, abominadas pela população.

Muitos sindicatos, com certa razão, vêm se opondo a generalização desta prática pois expressivos contingentes, em certos setores, embora nestes exercendo o seu trabalho efetivo, passam a ter filiação sindical desvinculada daquela categoria, com fragilização artificial da representatividade e fuga das conquistas trabalhistas já obtidas nos acordos daqueles setores.

Outro ponto de difícil aceitação é que, de modo geral, a terceirização serve para esconder eventuais desvios de natureza ética ou de produtividade, pois os trabalhadores operando neste regime, apesar de exercerem efetivamente um trabalho como outro qualquer podem, com facilidade, ser suprimidos das estatísticas relativas ao esforço humano aplicado, assim como as condições em que o fazem.

Por todos esses argumentos, quando impossível de outro modo, e se desejamos contribuir para que nossa sociedade se caracterize crescentemente por relações de trabalho benéficas e estimulantes à prática do trabalho e consequente conquista do desenvolvimento. Devemos cuidar no máximo do nosso alcance, para que inexistam artifícios que venham estimular qualquer forma disfarçada de subemprego.

Paulo Tolentino Vieira, Abril de 2015.

Paulo Tolentino Vieira (68) é Aposentado como Administrador de Empresas especializado em Gestão Previdenciária e Securitária. Tendo atuado como Professor Universitário, dedica-se atualmente, a partir de Salvador e Miami, a compartilhar suas ideias e reflexões como: Escritor, Blogueiro, Consultor, Conferencista e Homem de Comunicação.

segunda-feira, 16 de março de 2015

A ARCA DE NOÉ ou "O OBJETIVO, ESSE DESPREZADO" ou ainda "OS MEIOS JUSTIFICAM O FIM - A ANTI-LEI DE MAQUIAVEL"


Absalão era um homem que se podia conceituar como justo. Era um estudioso e quando repetia os sábios dizendo que os lados de um quadrado eram iguais, realmente tornava-se difícil entendê-lo. Dos seus 65 anos de idade, a maior parte havia dedicado à arte da guerra, onde conceitos técnicos e científicos eram aplicados. Particularmente, era um apaixonado pela organização das forças de combate e o uso de armas avançadas, tais como lança chamas de grande alcance, setas orientadas e a última novidade bélica: o lançador de pedras. Era um verdadeiro general. Com o avanço da idade e o aumento correspondente da sabedoria, Absalão também se preocupava com assuntos humanos, os quais, porém, o perturbavam um pouco. O Criador já não era reverenciado, como no seu tempo, os filósofos eram ridicularizados, havia uma inversão completa na política, acreditava-se mais na energia e nas estultices dos jovens do que na ponderada e segura orientação dos mais velhos.

Um dia Absalão andava pela ravina, imerso em seus pensamentos, quando, de repente - "puff" - uma nuvem de fumaça apareceu acompanhada de uma voz tonitruante:

- ABSALÃO!

Absalão prostrou-se apavorado. Só podia ser O Criador, pensou.

E era. Em Pessoa!

"- ABSALÃO - voltou a voz - NÃO ESTOU CONTENTE COM OS HOMENS, ESTÃO POLITIZADOS; GUERREIAM ENTRE SÍ E SÓ DEFENDEM INTERESSES PESSOAIS. O TRINÔMIO ADÃO-EVA-COBRA DEU NISSO AÍ... FAREI CHOVER QUARENTA DIAS E QUARENTA NOITES, ATÉ COBRIR A TERRA TODA DE ÁGUA. ISSO SERÁ CONHECIDO COMO O DILÚVIO. VOU MATAR TODO MUNDO. MAS QUERO NOVA HUMANIDADE, NASCIDA DE UM HOMEM INTELIGENTE, PRÁTICO E COM OBJ­ETIVOS. VÁ E CONSTRUA UM BARCO PARA VOCÊ SUA FAMÍLIA E COLOQUE DENTRO UM CASAL DE CADA SER VIVO. VOCÊ TERÁ QUATRO MESES PARA ESTE EMPREENDIMENTO. MEU CONTATO COM VOCÊ SERÁ DORAVANTE O ANJO GABRIEL, QUE COSTUMAM CHAMAR DE MENSAGEIRO DE DEUS."

 "Puff!..." e a nuvem se foi...



Absalão levantou-se lívido. O Criador elegera-o gerador da nova Humanidade! Todas as suas idéias seriam propagadas para o futuro!

Mas, Absalão nada conhecia de barcos, nem de navegação, porém não discutiria para não perder a grande oportunidade dada pelo Criador. Absalão era um sexagenário e estava difícil ganhar a vida com o status de que se achava merecedor. Porém, quatro meses... era muito pouco tempo. Era preciso resolver um problema técnico: construir um barco enorme, que objetivo! Absalão provaria que era capaz de salvar a humanidade com a sapiência dos mais velhos, usando a energia dos mais jovens!

Absalão rebuscou a memória. Conhecia um engenheiro naval chamado Neul, não - Noé! Sim, era este o nome. Noé poderia construir-lhe o barco. Absalão seria o coordenador do EMPREENDIMENTO e Noé seria o elemento técnico. Tão logo pensou, tão logo já conversava com Noé.

"- Meu caro quero encomendar um barco... e dos grandes!"- disse Absalão.

"- Sim senhor! Mas qual o tipo, para qual carga e para que navega­ção?"

"- Sim, sim Noé, isto são detalhes. É um barco para grande carga e águas pesadas. Quero fazer uma longa viagem com a família e levarei tudo."

"- Está bem senhor. Aqui mesmo temos florestas com madeiras de densidade de 0,8 g/cm3, em quantidade suficiente. Se a carga é grande, faremos o centro de gravidade baixo e o centro de empuxo alto, de modo a obter grande estabilidade... Acho que com dez bons carpinteiros, que consigo arranjar, e mais um mês de traba­lho duro, estaremos com o barco pronto...”

"- Perdão caro Noé, não quero interrompê-lo, mas como pode ter certeza dessa “cadensidade” de madeira? E se os homens são realmen­te c­om­pe­tentes? E se trabalharão com eficiência?"

"- Senhor, a unidade a que me referia chama-se densidade e os homens são carpinteiros, já meus velhos conhecidos...”

"- Não, não Noé - disse Absalão com um sorriso de condescendência - este EMPREENDIMENTO é grande e a coordenação é minha. Serei como que um Presidente e você será o técnico. Combinado?"

"- Combinado, Senhor Presidente, o barco é seu e quem manda é o Senhor"- retrucou Noé, dando de ombros. Levantou-se para cumpri­mentar Absalão e retirou-se.



Absalão pensou: puxa, não havia pensado nisso! São precisos carpinteiros para cortar as árvores e construir o barco. É preciso selecionar bem estes homens, pois o EMPREENDIMENTO não pode fracassar. Ah! Já me lembro. Meu auxiliar na cruzada santa de TrêsPedras fez ótima seleção de lanceiros. Roboão é o seu nome. Hoje está selecionando beterrabas para a indústria egípcia, mas virá traba­lhar comigo por um salário um pouco maior.

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"- Mas chefe, se o técnico disse dez carpinteiros, precisamos no mínimo quinze. O Senhor sabe, faltas, doenças, férias, o "turn-over"... E para selecionar bem quinze homens temos que explorar um universo de pelo menos cento e cinquenta a duzentos homens. Levarei algum tempo para isso e precisarei de auxiliares".

"- Confio em você Roboão. Já fez um bom trabalho para mim e tem grande experiência em Pessoal. Realmente achei Noé muito simplis­ta. Convide quem você achar melhor para realizar o recrutamento e a seleção dos homens para a tarefa. Mantenha-me informado!"

"- Certo Chefe. Obrigado pela confiança. Sairei em campo imedia­tamente."

Esta noite Absalão dormiu satisfeito. Após a missão do Senhor, em menos de vinte e quatro horas já tinha o técnico e o especialista em Pessoal.

Dormiu embalado ainda pela algazarra de sua família (vinte membros) na festa de inauguração do lançamento do EMPREENDIMENTO.

O 2º dia amanheceu tranquilo e claro.

O Presidente foi acordado por Roboão com boas notícias.

"-Chefe, já tenho cinco homens anunciando no povoado. É a fase do recrutamento. De acordo com o mercado, estamos oferecendo cinco dinheiros."

"-Mas Roboão, minha mulher ganha nove dinheiros cosendo para fora... não será pouco?"

"-Deixe comigo, Chefe. No recrutamento da última batalha pagamos oito dinheiros para valentes combatentes. Estes são apenas carpinteiros que não podem ser comparados com a sua senhora. Temos assim cinco recrutadores para a fase da seleção, menos de 10% dos candidatos esperados."



"-E quanto ganharão?"

"-O salário desta equipe varia de oito a doze dinheiros por serem especialistas. Chefe, um probleminha a mais. Não quero responsabilidade com o numerário e não sou um homem bom em contas. O trabalho com o pessoal já é bastante. Não acha melhor termos um homem para a gerência financeira do EMPREENDIMENTO?"

"-Bem lembrado Roboão! Mas não conheço nenhum e deve ser um homem de confiança."

"-Chefe, se me permite, quero lembrar-lhe o Judas, aquele nosso velho Capitão, que se ocupava dos dinheiros da força de combate."

“-Não, não, Roboão”. Este negócio de dinheiro, com o pessoal das armas não dá certo. Pensaremos em outro: deve ser um especialista na coisa... Você me compreende...

"-Então, Chefe, podemos fazer uma seleção entre os candidatos. Sairei em campo."

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O EMPREENDIMENTO crescia de vento em popa. As equipes de recruta­mento e seleção já estavam em plena operação. As finanças já tinham um responsável.

Mas, onde colocar este pessoal? Absalão partiu, com seu habitual dinamismo e logo adquiriu uma grande cabana de madeiras já com divisórias e tapetes e contratou, imediatamente, o pessoal da zeladoria e segurança, convidando alguns antigos conhecidos das forças de combate. Iniciou-se, assim, a operação em grande escala.

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"-Senhor Presidente - falou timidamente a graciosa recepcionista - está aqui o Dr. Noé com alguns desenhos e..."

"-Minha filha, já lhe disse para não interromper. Diga ao Dr. Noé que falo com ele após o almoço."

Absalão continuou a entrevista com o futuro gerente de Material, Jacob, também seu velho conhecido de carreira, dos tempos da campanha do Sinai.



"-Pois é, amigo Jacob, preciso cercar-me de gente de confiança, para o sucesso do EMPREENDIMENTO. Material é uma área delicada; não tolerarei desvios de estoque e má especificação dos itens."

"-Certo, Chefe! Sabe que pode confiar em mim. Nunca sumiu uma flecha ou lança no meu tempo. mas o armazenamento de madeira necessita de um almoxarifado adequado e de um bom almoxarife. Para controle, necessitarei de alguns arquivos Kardex, pratelei­ras e pessoal de apoio."

"-Justo Jacob. Encomende as prateleiras na carpintaria do povoado e fale com o  Roboão sobre o recrutamento do pessoal neces­sário."

Neste momento entrou Job, o secretário do Presidente. Jacob afastou-se discretamente.

"-Senhor Presidente, acaba de chegar um relatório da segurança indicando certos nomes de pessoas que não devem ser contratadas. Há suspeitas de que algumas não sejam confiáveis."

"-Ótimo trabalho do Gow - jamais lhe faltou a intuição. Precisa­mos estar alertas."

"-Ah! outra coisa, Sr. Presidente, o Dr. Noé telefonou novamen­te. Parece aflito para a aprovação de alguns desenhos."

"-Ora, este Noé! Sempre querendo me confundir com dados de madeira, centros de fluxos, etc. Ele acha que não devo me responsa­bi­lizar sozinho pela aprovação desses desenhos. Diga-lhe que nomeei um grupo de trabalho: o GT-BAR - Grupo de Trabalho do Barco, para dar-me um parecer. O rapaz é bom de projeto, mas nada entende de custos ou de administração por objetivos. Mas teremos tudo nos eixos tão logo chegue o meu Chefe de Administração. Vai colocar ordem e método nessa turma. Quero ver produção."

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Décimo quinto dia.

Quinze dias se passaram e o organograma proposto já estava na mesa do Presidente: uma Diretoria das Coisas – DC, uma de Investi­mentos - DI e uma de Barco - DB.

A DB já havia montado um laboratório especializado para a medida de densidade da madeira, análise de fungos e cupins e já estavam instalados os equipamentos para a medida de elasticidade e flexib­ilidade.



A Administração, em apenas quinze dias, já havia elaborado as provas de seleção para arquivistas de desenho naval, provas de seleção para o pessoal de seleção e recrutamento, pessoal de apoio, etc.

Roboão, como cumprimento ao Chefe, havia mandado comprar uma charrete, último tipo, de seis rodas e boléia separada, já acompanhada de charreteiro. Naturalmente houve pequeno atrito com Jacob (Chefe de Material) mas, como eram antigos companheiros de armas, o incidente foi esquecido e contornada a Auditoria.

Naquela noite Absalão estava cansado, mas não podia esquivar-se de receber Noé em sua residência.

"-Sr. Presidente desculpe-me interromper o seu descanso, mas o projeto já está pronto e as pessoas do GT-BAR ainda não foram nomeadas. O material já está especificado, porém o laboratório ainda não emitiu o laudo de aprovação da madeira e não conseguiu os carpinteiros para o corte... Se o Sr. Presidente pudesse autori­zar-me a trazer os carpinteiros conhecidos do povoado..."

"-Não se preocupe Noé, falarei com o DB e apressarei a contrata­ção do pessoal. Você sabe, apesar de ser Presidente, não posso mudar as normas da organização, autorizando diretamente seus carpinteiros. Se o fizesse não precisaria delas. Da Chefia vem o exemplo do cumprimento das normas. Não se preocupe que o EMPREENDIMENTO está nas mãos de profissionais - os melhores. Boa noite­, Noé..."

Noé afastou-se sem entender muito bem. Havia sido convidado para construir um barco. Agora estava às voltas com normas, instruções, exames de seleção... Balançou a cabeça - as coisas devem ser complicadas mesmo - e o Presidente é um homem capaz, se não, não seria Presidente. Partiu otimista para sua cabana. Se o Presidente disse, é porque tudo vai indo muito bem.

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Vigésimo quinto dia.

Job anuncia a chegada de Roboão.

"-Entre logo meu velho, sente-se. Aceita um leite de cabra?"



"-Sim Chefe, obrigado. Por falar nisso, segundo a lei, mandei distribuir leite de cabra pela manhã e pela tarde para todos nós. Já está até codificado o material, para o controle pelo computador. Mas para isso foi necessário adquirir duzentas cabras, alugar um pasto e contratar cinco pastores. Jóia Chefe! Veja só: quarenta cabras por pastor e os pastores ganham dez dinheiros."

"-Você é uma fera na administração de pessoal, Roboão. Falarei com seu Diretor para propor sua promoção na próxima vez. Como vai sua avaliação pessoal?"

"-Realmente não sei, Chefe. É Confidencial..."

"-Darei um jeito para que seja boa, afinal já temos quinhentas pessoas no efetivo e todas passaram por você. E você ainda conseguiu comprimir o quadro que era de oitocentas pessoas! Quanto economizamos em média?"

"-Nessa trezentas pessoas, cerca de quatro mil dinheiros, Chefe!"- respondeu Roboão com um sorriso de modesta satisfação. Talvez fosse aumentado para trinta dinheiros, pensou.

"-Roboão, não quero incomodá-lo e nem por sombra desfazer do belíssimo trabalho de sua equipe, mas Noé me disse que ainda não foram contratados os carpinteiros para o corte..."

"-Ora, Chefe, Noé é um sonhador. Só pensa nos seus benefícios. Já lhe expliquei a complexidade da contratação. Por exemplo: já aumentamos a oferta para seis dinheiros, porém todos os carpintei­ros candidatos foram reprovados no 1º psicotécnico. Não adianta contratar pessoal sem aptidão psicoprofissional para o corte da madeira. Se não passam nem neste exame, imagina nos outros. Além disso, o psicotécnico deve ser o primeiro exame para eliminar logo os agressivos. O Sr. sabe, com toda essa madeira para cortar, pode haver acidentes muito sérios..."

"-Realmente você tem razão, Roboão. Noé desconhece o que é uma boa organização. Toque o seu trabalho como você achar melhor. Se o contratei é porque tenho total confiança no seu trabalho...”

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Quadragésimo dia.

Finalmente a primeira reunião da Diretoria.

Era o momento solene das grandes decisões de cúpula do EMPREENDI­MENTO. Todos com os seus melhores ternos, sentados à mesa de reunião com suas pastas tipo 007.

O Presidente, satisfeito, relatava que o EMPREENDIMENTO era o orgulho do povoado.

Havia muito trabalho e emprego para todos.


Aproveitando o clima de satisfação, o DC informou que havia feito um convênio com a Escola de Carpinteiros, pois a mão-de-obra necessária estava aquém do treinamento desejado.

Além disso, havia criado o Departamento de Recursos Humanos com a missão de treinar de novo os carpinteiros para a técnica naval e também datilógrafas, secretárias e auxiliares administrativos. Havia também criado um Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho, por força de lei. O ambulatório já atendia vinte pessoas por dia.

O DB aproveitando a brecha do DC ponderou timidamente que faltava papel para desenho e que a eficiência dos carpinteiros era baixa, havia só um que cortou três árvores, sendo duas bichadas, de acordo com o último relatório do Controle de Qualidade. Noé, o técnico, estava tentando suprir a falta, desenhando em folhas de bananeiras e cortando árvore à noite, após o expediente.

Quando se propôs aumentar o salário de Noé para quinze dinheiros, o DC explodiu seguido de perto pelo DI.

"-Estes tecnocratas paisanos não funcionam e ainda querem aumento! Sr. Presidente, sou de opinião que devemos aumentar a equipe de recrutamento e apertar as provas de seleção. Nossa equipe técnica deixa muito a desejar!"

"-Perdão, retrucou o DB - O laboratório funciona! Veja como detectou as árvores bichadas. Acontece que não temos o apoio necessário. O Sr. está desviando recursos para a área de Operação do barco, recrutando timoneiros, taifeiros, etc."

"-Mas é lógico, interveio o Presidente - temos que agir com antecedência no treinamento. Treinar é investir no futuro!"

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Octogésimo dia.

Absalão, na ravina, estava orgulhoso. Era Presi­dente de um EMPR­EENDIMENTO que já contava com mil e duzentas pessoas.

As preocupações de Noé eram infundadas. Não passava de um tecno­crata pessimista.

Felizmente já havia o Diretor Técnico para despachar com Noé; menos um aborrecimento.

Subitamente - “Puff”! - uma nuvem de fumaça.



- "O MINISTRO DO SENHOR!" - murmurou Absalão, prostrando-se.

"-ABSALÃO, PONHA GENTE QUE DÊ MAIS PESO NO TOPO, CASO CONTRÁRIO O EMPREENDIMENTO AFUNDARÁ". - “Puff”.

Absalão correu à cabana de Noé.


"-Noé, Noé, ponha um convés no alto do mastro, vou colocar as pessoas mais pesadas em cima."

"-Mas Presidente, isto é impossível...  o convés sempre é abaixo e o mastro aponta para cima. Se aumentarmos a massa no topo, o barco vai emborcar."

"-Não discuta alimentação agora comigo Noé. O MINISTRO mandou colocar homens pesados no topo e é isto que vou fazer... e cumpra as minhas ordens!"

Noé retrucou, para si mesmo: "O Presidente está nervoso. Talvez Job possa fazê-lo ver mais claro..."

Noé correu à Secretaria Geral, mas lá encontrou o Comandante de Operações de Barco que já esperava há duas horas. Com ele estavam o Sub-Comandante Nível 3, o Imediato, o Pré-Imediato, dois Assis­tentes e três Assessores.

"-Noé - disse o Comandante - o seu projeto não anda! Como vou treinar meus homens sem barco? Vou pedir aprovação do Presidente para adquirir um simulador de barco, caso contrário não me responsabilizo. O DI diz que minha Razão de Operação está horrível, mas alocou custos na minha área!."

Noé balançou a cabeça e retirou-se vagarosamente. Realmente, o que ele conseguiria? Uma meia dúzia de desenhos e alguns em folhas de bananeira? Isto em oitenta dias. Ele havia prometido que faria o barco em cento e vinte dias ao Presidente! Estava acabrunhado e sentia-se um incompetente. Mas, o que estaria errado?

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O Presidente entrou furioso, desabafando em Job.

"-Veja só! Faltam apenas quarenta dias e a Divisão de Importação diz que há crise de transportes e a madeira só chegará dentro de um prazo médio de dez dias! O pessoal de P.O., mais o de O&M junto com o CBP já fez tudo para diminuir o caminho crítico de um tal de PERTO - mas estou vendo tudo longe!"



"-Quero uma reunião de emergência com os Diretores. Vou despedir o Setor de Carpintaria e contratar outro."

"-Se não fosse o Roboão com a equipe de Recrutamento, não sei o que seria ... !"

"-Mas Presidente - perguntou Job - faltam quarenta dias para que?"

"-Para o Dilúvio, meu filho, para o Dilúvio! Envie o seguinte TELEX":






De: Absalão Presidente (AP)

Para: O SENHOR CRIADOR (SC)

SOLICITO PRORROGAÇÃO PRAZO RESTANTE QUARENTA DIAS.  DIFICULDADES INTRANSPONÍVEIS CRISE INTERNACIONAL DE MADEIRA. PROSTRAÇÕES. ABSALÃO.

O ruído monótono da tele impressora deixava Absalão ansioso, mas a resposta veio finalmente:


DO: SENHOR

PARA: Absalão

CONCEDIDO PRAZO: MAIS CINCO DIAS IMPRORROGÁVEIS. ELEVAÇÃO DAS ÁGUAS EM ANDAMENTO.
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Centésimo dia.

Reunião da Diretoria.

"-Senhor Presidente - falou o DI - dentro de uma semana vencem nossos empréstimos internacionais com povoados e o Caixa não tem fundos suficientes. Nosso EM­PREENDIMENTO economicamente vai bem, mas financeiramente estamos à beira de uma crise de insolvência de caixa. Sugiro uma redução de pessoal!!!"

"-Toda vez que se fala em reduções, todos olham para mim - explodiu o Comandante de Operações - Sem mais homens não há operação do barco, que nem sairá do porto. E meu simulador ainda não foi aprovado!"



"-Sr. Presidente, - timidamente tentou o DB - acho que o Coman­dante tem razão, mas não prometeram ao MINISTRO que o barco estaria pronto muito em breve? Mas... sem material..."

"-Como posso fabricar madeira? - gritou o DC - meu laboratório não acha madeira local e há crise de transporte! Os carpintei­ros são incompetentes...; e este tal de Noé? Que fez ele até agora? E ganha dez dinheiros...!"

"-Senhores!"- falou o Presidente.

Todos olharam esperançosos.

"-A situação do EMPREENDIMENTO é razoável, mas temos que tomar uma atitude mais séria quanto ao projeto do barco..."

"-Presidente, não quero interrompê-lo, mas em nossos arquivos constam os exames de admissão de Noé e nem sabemos se ele é mesmo engenheiro naval..."

"-Sim, a culpa é minha - falou o Presidente - mas quando contra­tei Noé ainda não existiam as normas do EMPRE­EN­DIMENTO."

"-Tudo era muito improvi­sado naqueles dias, Sr. Presidente, e a culpa não pode ser somente de V. Exa. - acrescentou o DI..."

"-Então está existindo um desvio de função, Sr. Presidente!"- redarguiu o Comandante de Operações, acrescentando: "- Não podemos permitir que o mau exemplo prolifere! O que vou dizer ao meu pessoal? Como vou manter o moral da equipe, permitindo que eles pilotem um barco construído por um arrivista qualquer, que nem  engenheiro é? Não há outra solução, Sr.Presidente..."

Todos se entreolharam. Alguns começaram a rabiscar flechas nos blocos de anotações. Absalão calado... Por fim a decisão:

"-Noé está despedido!" - falou o Presidente.

E virando-se para Roboão:

"-Providencie a anotação em sua carteira de trabalho..."

"-Mas Chefe, nem carteira ele tem..."

"-É isso! Um desorganizado total! Cada vez mais me convenço do erro de tê-lo convidado: notifique-o, então, que está sendo despedido no interesse do EMPREENDIMENTO..."



Noé realmente ficou furioso com a notificação. Nem exigiu a fração do 13º salário que lhe cabia; estava disposto a sair daquela terra e o caminho mais fácil era pelo rio. Partiu para a floresta e reuniu cinco companheiros.

"-Amigos, vamos cortar estas árvores bichadas mesmo, construir um barco e sair daqui!"

"- Mas Noé, não somos carpinteiros nem sabemos fazer barcos..."

"-Não importa! Ensinarei a cortar a madeira e já temos os desenhos. Faremos uma equipe motivada, com o objetivo de construir um barco para uma vida melhor em outras terras! Levaremos uns bichos a bordo para comer na viagem. Só falta meter mão à obra!"

A madeira começou a ser cortada. Lascas por todo lado, as partes mais bichadas eram isoladas e deixadas de lado. Mosquitos voavam ao tombar das árvores.

Em poucos dias o casco do barco já tomava forma.

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Centésimo vigésimo quinto dia.

O Presidente acordou preocupado. A madeira tinha chegado mas só havia três carpinteiros no Setor de Carpintaria. Sua charrete tomou o caminho mais rápido para o escritório, para evitar o mau tempo. Nuvens pesadas cobriam os céus.

Absalão foi direto ao Telex mas Job só chegava às dez horas. Absalão correu ao CPD.

"-O que há por aqui? O expediente ainda não começou? Quem é você?"

"-Sou uma perfuradora de cartões, Senhor. Há dias não há ninguém por aqui. Dizem que devido ao novo Plano de Classificação de Cargos e pela Política de Promoções, ninguém vai ficar..."

Absalão voltou ao escritório. No caminho encontrou com Gaw que lhe disse, preocupado, haver um zum-zum-zum acerca de um tal Plúvio que estava para chegar a qualquer momento e que poderia ser um terro­ri­sta, mas que sua equipe...

Absalão ficou lívido e correu para o Telex.

"-Job, rápido! Passe este Telex"



DE: ABSALÃO PRESIDENTE (AP)
PARA: O SENHOR CRIADOR (SC)

DIFICULDADES INSUPERÁVEIS COM PROJETISTA ATRASARAM EMPREENDIMEN­TO. SOLICITO PRORROGAÇÃO DO PRAZO.

A resposta foi imediata:

Do: SENHOR
Para: Absalão

PRORROGAÇÃO NEGADA.

E começou a chover... Absalão correu para fora, seguido de Jacob. A chuva era forte, mas Jacob gritou: "- Chefe há um barco descendo o rio. Veja na proa... está escrito... está escrito: ARCA DE NOÉ"

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SORRIA DISCRETAMENTE SE, DURANTE A LEI­TURA DESTE TEXTO, VOCÊ VESTIU A CARAPU­ÇA.



 Baseado em artigo do Overall Corporation Management and Business - USA.