terça-feira, 25 de novembro de 2014

GOVERNANÇA CORPORATIVA E SUCESSÃO NA EMPRESA FAMILIAR

Por José Francisco Calil

     Recentemente em artigo publicado procurei demonstrar como a governança corporativa pode levar empresas ao sucesso ou ao fracasso. Falo agora da importância da governança corporativa e sucessão para empresas familiares. Escrevo sobre esse assunto porque no mundo todo mais de 90% das empresas são familiares ou de origem familiar. Muitas nasceram de iniciativas de um ou mais fundadores, que com trabalho e dedicação ganharam musculatura e se desenvolveram.
     No início não sentem a necessidade da governança corporativa porque as decisões são tomadas pelo fundador. À medida que se desenvolvem e crescem, pode surgir o dilema: vender ou apostar no crescimento, enfrentando riscos e desafios? Mantendo a empresa, cedo ou tarde terão que pensar na sucessão. Para alguns empresários pode significar a oportunidade de pensarem na continuidade da empresa, mesmo sem sua presença, para outros pode representar um pesadelo.
     Por esse motivo que é necessária a preparação do sucessor e do sucedido. Várias empresas de Piracicaba enfrentaram esse dilema. Algumas decidiram pela venda ainda na primeira geração. Outras mantiveram seus negócios, fizeram seus sucessores, já estando na segunda ou terceira geração.
     Infelizmente em outras a sucessão apresentou problemas, comprometendo a continuidade de suas empresas. A complexidade aumenta quando o negócio é multi-familiar. O sucesso nesses casos é mais complexo, mas não impossível. O melhor exemplo é do Grupo Gerdau, formado por quatro famílias. São classificadas pela Bovespa como empresas praticantes da governança corporativa. Indústrias Romi também obteve sucesso, tornando-se uma empresa de capital aberto do Novo mercado de Governança Corporativa da Bovespa.
     Participei do processo sucessório de uma empresa industrial da região de Campinas, tendo dois sócios e seis filhos. Seus fundadores decidiram que nenhum dos filhos atuaria na empresa. Os cargos executivos foram ocupados por profissionais do mercado, foi elaborado um acordo de acionistas, criado um conselho de administração formado pelos sócios, com a participação de conselheiros independentes externos. Os herdeiros passaram a receber remuneração e convidados  a participar das reuniões do conselho, como ouvintes.
     Numa reportagem da Revista Exame, o Presidente e acionista majoritário da maior empresa de açúcar e álcool do Brasil, afirmou que, se dependesse dele, seus filhos participariam apenas do conselho de administração e não das empresas. Nenhum dos filhos de Lemahn, o empresário mais rico do Brasil, segundo a Revista Forbes, e um dos maiores acionistas da Ambev, Inbev, Burg King, Heinz, Lojas Americanas, entre outras, foram trabalhar nas empresas, mas sim, preparados para ocupar cargos nos conselhos de administração de suas empresas, embora tenham formação acadêmica nas melhores escolas de administração do mundo.
     Sucessão é um grande desafio, mas não deve passar pela preocupação de fazer dos herdeiros sucessores naturais. Valter Moreira Salles, herdeiro do Unibanco, optou por seguir seu sonho como cineasta, sem deixar de ser acionista. Seu irmão, Pedro geriu o Unibanco com maestria, conduzindo a fusão com o Itaú, tornando-se o atual presidente do conselho de administração do Itaú-Unibanco.
     A empresa familiar deve fazer uso dos instrumentos de governança corporativa, como código de ética, acordo de acionistas, conselho de administração e conselho familiar, entre outros. O processo sucessório deve ser conduzido no âmbito do conselho de família, com apoio do conselho de administração. Além disso, a boa governança deve respeitar os princípios de transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. A soma desses fatores aumenta em muito as chances de sucesso e a perpetuidade das empresas familiares.

José Francisco Calil é Professor de Finanças e Governança Corporativa do PPGA da UNIMEP.

Publicado no jornal Gazeta de Piracicaba em 23/11/2014.


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

MUITO ALÉM DAS BATALHAS MERITOCRÁTICAS



Por Carmen Migueles

Para vencer as dificuldades de formar líderes, as empresas devem relembrar o papel e a força dos ritos tribais e incorporá-los, em vez de promover uma guerra de todos contra todos.
     
 Já reparou que as dificuldades de formação de líderes sempre reaparecem na s empresas? Tanto o bom técnico promovido à gestão continua com dificuldades para assumir seu papel na relação com as pessoas como o gestor com experiência tem dificuldade de desenvolver, em seu novo time, uma coalizão orientada para a missão da organização.
     Ambas as dificuldades podem ser ainda maiores nos casos de fusões e aquisições, quando a empresa perde a identidade conforme perde o contato com a saga corporativa – suas histórias de luta, superações e vitórias. Em companhias resultantes de fusões e aquisições, os registros históricos são fluxos de capital que dão origem a alianças desprovidas de rostos e lutas.
     Vínculos se constroem em batalha, pressupõem uma história comum, o compartilhamento de dores e alegrias, levam tempo, condições de que poucas corporações dispõem atualmente. O conceito de “cultura organizacional” pretende substituir essa cola, mas um excesso de racionalidade rouba-lhe a força. O fato é que, na formação de lideranças, esquecemo-nos dos ritos e de sua importância.
     Nas organizações humanas, ritos de passagem têm papel-chave na dissolução de identidades anteriores e na consolidação de novas; proveem o suporte para que o indivíduo descubra como construir seu lugar nas relações sociais que se estabelecem. Em outras palavras, eles apoiam a construção do novo status e papel de um indivíduo e o ajudam a achar um novo lugar naquele mundo, além de atualizar a história do grupo.
     Pense no que acontece quando um indivíduo assume um novo papel na sociedade, como quando deixa de ser solteiro para casar-se. O rito do casamento se consolida após seis estágios prévios:

  1. O cortejamento, em que a pessoa seduz a outra;
  2. O período de namorar, no qual se estuda se a escolha foi a mais adequada;
  3. O período de afastar-se do estágio anterior – o noivado, quando não se é mais solteiro, nem se é casado, e há tempo para se preparar para as responsabilidades futuras;
  4. A despedida de solteiro, na qual a ruptura com o estágio anterior se confirma;
  5. O rito público em si – o “sim” e a festa, em que se aceita o novo status publicamente; e,
  6. A reintegração, em que se é recebido no grupo dos casados.
     Na empresa, um rito de passagem para ser um novo líder requer seis estágios similares:

  1. A luta para ser reconhecido como um talento;
  2. A participação em processo de preparação para a sucessão, em que se avaliam o compartilhamento dos valores e a qualidade da relação;
  3. A definição como sucessor de um líder;
  4. A ruptura com a atividade e o grupo dos técnicos ou gestores anteriores;
  5. O momento em que a responsabilidade por outras pessoas vira o foco de sua agenda; e,
  6. A aceitação de novas responsabilidades e a capacidade de sentar-se com outras pessoas (como antes se sentavam em torno da fogueira) para deliberar sobre as formas de enfrentar os desafios.

     Sem ritos, os indivíduos que poderiam ser os novos líderes de uma organização ficam solitários, em guerra de todos contra todos, em batalhas “meritocrática” desprovidas de sentido. Quem seria líder acaba por virar mercenário em busca de lucros rápidos e fáceis.


Carmen Migueles é Sócia-fundadora da Symballéin, especializada em gestão de ativos intangíveis, e coordenadora do núcleo de estudos de sustentabilidade em gestão da FGV.

Publicado na Revista HSM Management, edição 106, setembro/outubro de 2014.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

LIDERAR SIGNIFICA SUPERAR-SE SEMPRE



Por Betania Tanure

Como focar a face de liderança do executivo sem perder de vista sua face de gestão? Um certo CEO “Francisco” ajuda a ilustrar isso, apontando a armadilha mais comum nesses casos e como evita-la.
     Pense no executivo nota 10. Falo daquele que integra as competências racionais típicas do gestor, apresentadas por 68% dos executivos brasileiros, às competências emocionais e subjetivas relacionadas com pessoas e cultura, próprias do verdadeiro líder. Francisco reúne os dois os dois grupos de competências, fazendo parte do seleto grupo de 8% de gestores que eu costumo chamar de “dirigentes”. É um líder realmente diferenciado.
     Francisco está na empresa há muitos anos onde entrou como gerente e fez carreira até ser um bem sucedido CEO. Todos reconhecem sua extraordinária competência, apreciam-no e aprendem muito com ele. Quando a empresa viveu um processo de mudança, com situações difíceis que geravam dor, Francisco soube inspirar confiança em todos e praticar a liderança “agridoce”. E, assim, reconduziu o negócio ao desempenho desejado.
     O sucesso da jornada de Francisco é reconhecido, trazendo visibilidade à empresa e a seu presidente, apresentados na mídia como exemplos. Francisco vem recebendo um belo bônus anual.
     Até que, certo dia, surge uma encruzilhada em seu caminha. Foi Francisco que a colocou lá, gradativa e sorrateiramente. As opções são reaprender e reinventar-se ou permanecer na confortável condição de “craque”, devido ao sucesso recorrente.
     Como não identifica a armadilha como tal, Francisco escolhe o segundo caminho e se torna prisioneiro do próprio sucesso. Aos poucos, seus subordinados percebem que já não aprendem tanto com ele. Ficam inquietos, não se sentem à vontade para falar no assunto com o chefe. A empresa se ressente da situação; seu desempenho é ameaçado.
     O que será que aconteceu com Francisco?

A PERDA

     O acontecido pode ser resumido em poucas palavras: Francisco foi perdendo aos poucos a capacidade de se autossuperar. Assim, perdeu a capacidade de liderar.
     Pense nos líderes das empresas que você conhece. Nunca, talvez, o ambiente corporativo foi tão competitivo e, por que não dizer, desorganizado. É contínuo o fluxo de conhecimento dentro e fora da empresa, intensificando a necessidade de desenvolvimento constante; parar de aprender e de autossuperar-se é proibido.
     A capacidade de aprendizado e de autossuperação só constitui um processo sistemático quando é também uma qualidade intrínseca do executivo. Ele deve ser lúcido e corajoso, questionar-se sempre, sem medo, e ter a gana de saber mais, fazer sempre mais e melhor. Deve reconhecer que a própria excelência é um alvo móvel e que ele nunca a atingirá.
     Você não tem de competir com os outros para ser melhor; deve competir consigo mesmo, enxergando seus pontos fracos, conhecendo seus limites, expandindo-os e superando-se.
     Francisco, assim como tantas outras pessoas bem sucedidas, não soube competir consigo. Ele caiu na armadilha.

“A capacidade da empresa de aprender e superar depende de o líder fazer isso”.

Betania Tanure é professora da PUC Minas Gerais e do Insead da França, consultora da Betania Tanure Associados e coautora de Estratégia e gestão Empresarial, com Sumantra Ghoshal, entre outros.

Publicado na revista HSM Management, Edição 106, ago/set 2014 – Coluna da Betania Tanure.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

SUOR OU TALENTO?



Por Eduardo Salgado

UMA DAS AUTORAS DO ESTUDO QUE INCENDIOU O DEBATE SOBRE O PESO DA HABILIDADE INATA E DO TREINAMENTO PARA CHEGAR A EXCELÊNCIA NÃO TEM DÚVIDA: SÓ O ESFORÇO NÃO BASTA.

“As pessoas gostam de pensar que somos todos iguais. Infelizmente, não é bem assim”.
                                                                                                                                Brooke Macnamara

“Será que sou bom nisso? Estou investindo quantidade de tempo suficiente para melhorar?” Quantas vezes fazemos esse tipo de pergunta ao longo da vida nas variadas situações? Há mais de 100 anos, a ciência tenta explicar por que algumas pessoas são excepcionais enquanto outras, a despeito da aplicação em termos de energia e tempo, nunca passam do razoável. Quanto pode ser atribuído ao talento inato e quanto corresponde a esforço? Brooke Macnamara, professora de psicologia na Case Western Reserve University, e mais dois colegas reuniram os 88 estudos mais renomados já realizados nessa área, analisaram todos os seus dados e lançaram em julho um estudo na publicação acadêmica Psychological Science. As conclusões do trabalho, considerado a revisão mais completa já feita até hoje, abalaram algumas certezas e trouxeram para a ordem do dia o debate sobre o que faz estudantes, atletas, músicos e profissionais ser muito acima da média. A principal contribuição: dedicar muito tempo a uma tarefa não fará ninguém virar fora de série.

As pessoas com alto desempenho nascem assim ou são treinadas para chegar à excelência?
Não dá para simplificar tanto assim. Há muitos fatores envolvidos em determinar quem vira um “excepcional”. Também depende da área de atuação. Num jogo de xadrez, os jogadores que tiverem herdado uma inteligência maior e uma memória melhor terão vantagens. Mas há outros fatores que determinam o sucesso. Experiência é um deles. Com base em nosso estudo, porém, derrubamos a noção de que tempo dedicado à prática é a principal responsável pelo sucesso, como muitos andaram dizendo nos últimos tempos.

Alguns anos atrás, o escritor Malcolm Gladwell ficou famoso ao mencionar estudos que mostram que a diferença entre violinistas e pianistas excepcionais e os bons é o tempo de treino. O traço comum da genialidade seriam 10.000 horas de prática. Isso está errado?
Não tem nada de mágico em 10.000 horas de treino. Na verdade, a prática exigida varia de acordo com a tarefa. Algumas atividades precisam de muito mais horas. O tempo necessário também depende da pessoa. A ideia de que a dedicação é tudo tem muito apelo. As pessoas querem acreditar que qualquer um pode alcançar o que quiser. É igualitário achar que, com muito empenho e treino, somos todos capazes. Mas infelizmente não é bem assim. Só o esforço não basta.

Por que, então, a ideia das 10.000 horas ganhou tanta força?
Isso é recente. Alguns trabalhos das últimas décadas deram mais ênfase ao treinamento, tiveram exposição na mídia e ganharam ares de “verdade absoluta”. O debate sobre se a genética ou as influências do ambiente são mais importantes ocorre desde o século 19. O inglês Francis Galton, um dos primeiros a propor a discussão, foi colocado num extremo, o que dava muito peso à genética. O americano John B. Watson, criador do behaviorismo, foi considerado, décadas mais tarde, o oposto de Galton. Na verdade, tanto um como o outro diziam que genes e ambiente são importantes.

O que a faz ter tanta certeza de que o ambiente não é determinante?
Avaliamos pesquisas nas áreas de música, esportes, profissões, educação e jogos de mesa. O treinamento parece ser mais importante em jogos como xadrez. O tempo dedicado ao treinamento explica 26% da diferença de performance, ou seja, por que alguns jogadores são excepcionais e outros não. Em música, o percentual foi de 21%; em esporte, 18%; e em educação o número foi de 4%.

Apenas 4%? Então estudar não adianta muito?
Não é isso. Antes de tudo, vale ressaltar que a prática é importante para atingir a excelência. Também quero evitar uma interpretação errada desses 4%. Não estou dizendo que estudar vai fazer com que uma pessoa só melhore seu desempenho 4%. Não é isso. Quando quantificamos os fatores que afetam a diferença de desempenho entre os melhores e os piores alunos de uma sala de aula, o tempo dedicado ao estudo explica 4% do todo. Os demais 96% que afetam a diferença são explicados por outros fatores. Isso não deveria ser surpreendente para ninguém. Nas escolas, são comuns os casos de alunos que aprendem rapidamente quando o professor fala em sal de aula, estudam pouco tempo em casa e vão bem nas provas; e daqueles que têm mais dificuldades, estudam muito mais e, às vezes, não tiram notas tão boas.

De que modo isso deve afetar a forma como pais criam seus filhos e professores ensinam aos alunos?
Mesmo correndo o perigo de dizer algo meio óbvio, talvez valha a pena ressaltar que o aluno que tem dificuldades certamente se dará melhor se estudar mais. Olhando de forma mais ampla para outras áreas, é importante incentivar as crianças a ter várias experiências. A idade em que cada um começa a praticar uma atividade também pode ser determinante. Motivação é outra coisa crucial, e pais e educadores têm um papel a exercer aí.

Qual é o papel do treinamento no mundo do trabalho?
Os estudos que existem sobre treinamento na área profissional ainda são restritos. Há alguma coisa sobre atividades como piloto de aeronaves militares, programadores de computador e vendedores de seguro. São profissões muito diferentes para que a gente chegue a algo conclusivo. Fora isso, há um debate sobre a definição de treinamento – se inclui experiência profissional ou não. Dito isso, acho difícil que o treinamento apareça como o fator mais determinante para uma pessoa chegar à excelência.

Ou seja, as empresas precisam ter melhores instrumentos para identificar o talento nas entrevistas de emprego em vez de se dedicar tanto aos treinamentos?
O que posso dizer é que há uma série de fatores que influenciam o desempenho no trabalho e não sabemos quais mais contribuem para o sucesso. Precisamos estudar um número maior de profissões e analisa-las a fundo.

Publicada na revista Exame, nº 15, edição 1071 de 20/08/2014.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O VALOR DAS HORAS DE VOO



Para o professor David E. Bloom, da Universidade Harvard, um dos maiores especialistas em demografia do mundo, governos e empresas devem se adaptar para tirar vantagem do envelhecimento da população mundial.
     
 “Ante um pano de fundo de ansiedade econômica causada pela recente crise financeira, falar em tendências demográficas parece secundário. Mas o envelhecimento das nações tem preocupado bastante alguns analistas econômicos. Espera-se que o número de centenários mais do que duplique em todo o mundo até 2030. Há projeções que indicam quase 3,4 milhões deles até 2050 – isso num cenário de queda de fertilidade. Alguns países ficarão mais velhos mais depressa do que outros. No Brasil, o envelhecimento da população está se acelerando dramaticamente. Uma análise de longo prazo deixa isso claro. O país levou seis décadas para ver a participação das pessoas acima de 60 anos aumentar de 5% da população para os atuais 10%. Nos próximos 40 anos, esse percentual deverá chegar a 30%. Em 2050, o número de brasileiros acima de 60 anos totalizará cerca de 70 milhões – quase a população atual da França. Os brasileiros com mais de 80 anos serão mais de 16 milhões.
     As preocupações dos economistas com o envelhecimento giram em torno de escassez de trabalhadores, crescimento econômico mais lento e sistemas de previdência e assistência médica sob pressão. Para alguns, envelhecimento populacional significa aumento no número de idosos frágeis, solitários e isolados em instituições que oneram sua família. Em outro cenário terrível, a morte é adiada, mas o surgimento de doenças crônicas, a decadência física e mental e a perda de independência se impõem. Em todos esses casos, o prolongamento da vida significa apenas mais miséria. Além disso, argumentam esses economistas, os idosos não trabalham nem poupam como a maioria dos adultos. Por isso, muitos preveem que o envelhecimento vai pesar sobre as gerações mais jovens, obrigadas a financiar os sistemas de aposentadoria e de saúde.
     As visões alarmistas não resistem, porém, a uma análise mais profunda. Primeiro porque vale sempre lembrar que o aumento da longevidade é uma das conquistas mais notáveis da humanidade – uma consequência dos avanços em saúde pública, educação e desenvolvimento econômico. Fora isso, o envelhecimento da população não se traduz automaticamente numa catástrofe econômica e social. Há estratégias que podem ser adotadas para minimizar possíveis problemas causados pelo envelhecimento, como mudanças nas regras de aposentaria, políticas trabalhistas favoráveis a mulheres e programas de treinamento para trabalhadores mais velhos. Com toda certeza, o veredito sobre esse tsunami grisalho ainda não foi dado.
     É curioso perceber que, em vários países onde o fenômeno já é mais marcante, as mudanças demográficas estimulam transformações comportamentais e tecnológicas, provocam inovações e promovem ajustes institucionais que, com frequência, compensam a força da nova configuração geracional. Tudo depende da preparação e do poder de adaptação, tanto do ponto de vista individual como coletivo. Antecipar uma vida mais longa significa que as pessoas provavelmente pouparão mais para os anos em que não estarão trabalhando. Indica também a revisão de políticas de aposentadoria para desestimular a saída precoce do mercado de trabalho.
     Quando o assunto é adiar a aposentadoria, vale sempre se perguntar se as pessoas mais velhas vão querer trabalhar por mais anos. Tudo indica que sim. As tecnologias contra o envelhecimento e os estilos de vida mais saudáveis não têm só aumentado a longevidade, mas tornado a velhice mais vigorosa. Com melhor saúde, os empregados mais velhos provavelmente desejarão ser produtivos por mais tempo. Se essa previsão se concretizar, algumas práticas terão de ser revisadas no setor privado. Os locais de trabalho mais favoráveis a idosos incluem uma série de adaptações, de cargos e horários flexíveis a oportunidades de retreinamento.

Como fechar a conta
     Do ponto de vista dos governos, considerar as pessoas idosas um recurso é fundamental para cobrir uma potencial escassez de mão de obra. Aumentar a idade legal de aposentadoria promoverá maior produtividade e renda durante o tempo de vida – isso sem falar em todos os benefícios sobre as contribuições previdenciárias. Nos Estados Unidos, a participação na força de trabalho de indivíduos idosos vem aumentando desde meados da década de 90, mais especialmente entre aqueles com maior nível de escolaridade. Quanto antes as reformas necessárias para enfrentar um futuro mais grisalho forem iniciadas, mais suave será a transição para uma população mais velha.
     Por tudo isso, no futuro provavelmente teremos uma nova visão sobre a velhice. A ideia de envelhecimento deixará de ser associada ao acréscimo de anos à vida e passará a significar mais vida aos anos. Esse novo entendimento sobre o assunto tornará mais evidente as oportunidade de negócios criadas pelo aumento da população amis velha, com suas necessidades e interesses específicos, algo que poucas empresas já perceberam. Mesmo nesse cenário que pode ser mais otimista, ainda há uma batalha no campo da imagem que precisa ser ganha. Ver idosos por uma ótica discriminatória de declínio só consolida estereótipos. Mais esforços para traçar um quadro realista dos idosos – ilustrando sua sabedoria, experiência, autoridade moral e liderança – vão melhorar a vida deles e os tornarão mais valiosos no mercado de trabalho.
     Em resumo, demografia não é um destino. Historicamente, mudanças demográficas criaram desafios importantes para as sociedades. Mas as adaptações que foram realizadas para reverter as desvantagens têm sido igualmente notáveis. Há não muito tempo, pessoas de 40 anos sofriam preconceito no mercado de trabalho. Aos 50 anos eram consideradas idosas e muitas se aposentavam. Numa economia cada dia mais globalizada e mais regida pelo conhecimento, a experiência de trabalhadores idosos pode ser inestimável. Pesquisas com empregadores comumente revelam que os trabalhadores com mais de 60 anos são vistos como experientes, informados, confiáveis e leais. Ou seja, horas de voo já são contabilizadas como ativo, não como uma desvantagem. O futuro, sem dúvida, será de cabelos brancos. Não apenas em asilos, consultórios médicos e hospitais. Mas em escritórios, fábricas, cinemas, shopping centers, aeroportos, lugares turísticos...”.


David E. Bloom é economista e professor de demografia na Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
Publicado na Revista Exame, edição 1.068, ano 48, nº 12, de 09/07/2014.