Absalão era um homem que se podia conceituar como
justo. Era um estudioso e quando repetia os sábios dizendo que os lados de um
quadrado eram iguais, realmente tornava-se difícil entendê-lo. Dos seus 65 anos
de idade, a maior parte havia dedicado à arte da guerra, onde conceitos
técnicos e científicos eram aplicados. Particularmente, era um apaixonado pela
organização das forças de combate e o uso de armas avançadas, tais como lança
chamas de grande alcance, setas orientadas e a última novidade bélica: o
lançador de pedras. Era um verdadeiro general. Com o avanço da idade e o
aumento correspondente da sabedoria, Absalão também se preocupava com assuntos
humanos, os quais, porém, o perturbavam um pouco. O Criador já não era
reverenciado, como no seu tempo, os filósofos eram ridicularizados, havia uma
inversão completa na política, acreditava-se mais na energia e nas estultices
dos jovens do que na ponderada e segura orientação dos mais velhos.
Um dia Absalão andava pela ravina, imerso em seus
pensamentos, quando, de repente - "puff" - uma nuvem de fumaça
apareceu acompanhada de uma voz tonitruante:
- ABSALÃO!
Absalão prostrou-se apavorado. Só podia ser O Criador,
pensou.
E era. Em Pessoa!
"- ABSALÃO - voltou a voz - NÃO ESTOU CONTENTE COM OS HOMENS, ESTÃO
POLITIZADOS; GUERREIAM ENTRE SÍ E SÓ DEFENDEM INTERESSES PESSOAIS. O TRINÔMIO ADÃO-EVA-COBRA
DEU NISSO AÍ... FAREI CHOVER QUARENTA DIAS E QUARENTA NOITES, ATÉ COBRIR A
TERRA TODA DE ÁGUA. ISSO SERÁ CONHECIDO COMO O DILÚVIO. VOU MATAR TODO
MUNDO. MAS QUERO NOVA HUMANIDADE, NASCIDA DE UM HOMEM INTELIGENTE, PRÁTICO E
COM OBJETIVOS. VÁ E CONSTRUA UM BARCO PARA VOCÊ SUA FAMÍLIA E COLOQUE DENTRO
UM CASAL DE CADA SER VIVO. VOCÊ TERÁ QUATRO MESES PARA ESTE EMPREENDIMENTO. MEU
CONTATO COM VOCÊ SERÁ DORAVANTE O ANJO GABRIEL, QUE COSTUMAM CHAMAR DE MENSAGEIRO
DE DEUS."
"Puff!..." e a nuvem se foi...
Absalão levantou-se lívido. O Criador elegera-o gerador
da nova Humanidade! Todas as suas idéias seriam propagadas para o futuro!
Mas, Absalão nada conhecia de barcos, nem de
navegação, porém não discutiria para não perder a grande oportunidade dada pelo
Criador. Absalão era um sexagenário e estava difícil ganhar a vida com o status
de que se achava merecedor. Porém, quatro meses... era muito pouco tempo. Era
preciso resolver um problema técnico: construir um barco enorme, que objetivo!
Absalão provaria que era capaz de salvar a humanidade com a sapiência dos mais
velhos, usando a energia dos mais jovens!
Absalão rebuscou a memória. Conhecia um engenheiro
naval chamado Neul, não - Noé! Sim, era este o nome. Noé poderia construir-lhe
o barco. Absalão seria o coordenador do EMPREENDIMENTO e Noé seria o elemento
técnico. Tão logo pensou, tão logo já conversava com Noé.
"- Meu caro quero encomendar um barco... e dos
grandes!"- disse Absalão.
"- Sim senhor! Mas qual o tipo, para qual carga e
para que navegação?"
"- Sim, sim Noé, isto são detalhes. É um barco para
grande carga e águas pesadas. Quero fazer uma longa viagem com a família e
levarei tudo."
"- Está bem senhor. Aqui mesmo temos florestas
com madeiras de densidade de 0,8 g/cm3, em quantidade suficiente. Se a carga é
grande, faremos o centro de gravidade baixo e o centro de empuxo alto, de modo
a obter grande estabilidade... Acho que com dez bons carpinteiros, que consigo
arranjar, e mais um mês de trabalho duro, estaremos com o barco pronto...”
"- Perdão caro Noé, não quero interrompê-lo, mas
como pode ter certeza dessa “cadensidade” de madeira? E se os homens são
realmente competentes? E se trabalharão com eficiência?"
"- Senhor, a unidade a que me referia chama-se densidade
e os homens são carpinteiros, já meus velhos conhecidos...”
"- Não, não Noé - disse Absalão
com um sorriso de condescendência - este EMPREENDIMENTO é grande e a
coordenação é minha. Serei como que um Presidente e você será o técnico. Combinado?"
"- Combinado, Senhor Presidente, o barco é seu e
quem manda é o Senhor"- retrucou Noé, dando de ombros. Levantou-se para cumprimentar
Absalão e retirou-se.
Absalão pensou: puxa, não havia pensado nisso! São
precisos carpinteiros para cortar as árvores e construir o barco. É preciso
selecionar bem estes homens, pois o EMPREENDIMENTO não pode fracassar. Ah! Já
me lembro. Meu auxiliar na cruzada santa de TrêsPedras fez ótima seleção de
lanceiros. Roboão é o seu nome. Hoje está selecionando beterrabas para a
indústria egípcia, mas virá trabalhar comigo por um salário um pouco maior.
.-.-.-.-.-.
"- Mas chefe, se o técnico disse dez
carpinteiros, precisamos no mínimo quinze. O Senhor sabe, faltas, doenças,
férias, o "turn-over"... E para selecionar bem quinze homens temos
que explorar um universo de pelo menos cento e cinquenta a duzentos homens.
Levarei algum tempo para isso e precisarei de auxiliares".
"- Confio em você Roboão. Já
fez um bom trabalho para mim e tem grande experiência em Pessoal. Realmente
achei Noé muito simplista. Convide quem você achar melhor para realizar o recrutamento
e a seleção dos homens para a tarefa. Mantenha-me informado!"
"- Certo Chefe. Obrigado pela confiança. Sairei
em campo imediatamente."
Esta noite Absalão dormiu satisfeito. Após a missão do
Senhor, em menos de vinte e quatro horas já tinha o técnico e o especialista em
Pessoal.
Dormiu embalado ainda pela algazarra de sua família
(vinte membros) na festa de inauguração do lançamento do EMPREENDIMENTO.
O 2º dia amanheceu tranquilo e claro.
O Presidente foi acordado por Roboão com boas notícias.
"-Chefe, já tenho cinco homens anunciando no
povoado. É a fase do recrutamento. De acordo com o mercado, estamos oferecendo
cinco dinheiros."
"-Mas Roboão, minha mulher ganha nove dinheiros
cosendo para fora... não será pouco?"
"-Deixe comigo, Chefe. No recrutamento da última
batalha pagamos oito dinheiros para valentes combatentes. Estes são apenas
carpinteiros que não podem ser comparados com a sua senhora. Temos assim cinco
recrutadores para a fase da seleção, menos de 10% dos candidatos esperados."
"-E quanto ganharão?"
"-O salário desta equipe varia de oito a doze
dinheiros por serem especialistas. Chefe, um probleminha a mais. Não quero
responsabilidade com o numerário e não sou um homem bom em contas. O trabalho com o
pessoal já é bastante. Não acha melhor termos um homem para a gerência
financeira do EMPREENDIMENTO?"
"-Bem lembrado Roboão! Mas não conheço nenhum e
deve ser um homem de confiança."
"-Chefe, se me permite, quero lembrar-lhe o
Judas, aquele nosso velho Capitão, que se ocupava dos dinheiros da força de
combate."
“-Não, não, Roboão”. Este negócio de dinheiro, com o
pessoal das armas não dá certo. Pensaremos em outro: deve ser um especialista
na coisa... Você me compreende...
"-Então, Chefe, podemos fazer uma seleção entre
os candidatos. Sairei em campo."
.-.-.-.-.-.
O EMPREENDIMENTO crescia de vento em popa. As equipes de
recrutamento e seleção já estavam em plena operação. As finanças já tinham um
responsável.
Mas, onde colocar este pessoal? Absalão partiu, com
seu habitual dinamismo e logo adquiriu uma grande cabana de madeiras já com
divisórias e tapetes e contratou, imediatamente, o pessoal da zeladoria e
segurança, convidando alguns antigos conhecidos das forças de combate.
Iniciou-se, assim, a operação em grande escala.
.-.-.-.-.-.
"-Senhor Presidente - falou
timidamente a graciosa recepcionista - está aqui o Dr. Noé com alguns
desenhos e..."
"-Minha filha, já lhe disse para não interromper.
Diga ao Dr. Noé que falo com ele após o almoço."
Absalão continuou a entrevista com o futuro gerente de
Material, Jacob, também seu velho conhecido de carreira, dos tempos da campanha
do Sinai.
"-Pois é, amigo Jacob, preciso cercar-me de gente
de confiança, para o sucesso do EMPREENDIMENTO. Material é uma área delicada;
não tolerarei desvios de estoque e má especificação dos itens."
"-Certo, Chefe! Sabe que pode confiar em mim. Nunca sumiu uma
flecha ou lança no meu tempo. mas o armazenamento de madeira necessita de um
almoxarifado adequado e de um bom almoxarife. Para controle, necessitarei de
alguns arquivos Kardex, prateleiras e pessoal de apoio."
"-Justo Jacob. Encomende as prateleiras na
carpintaria do povoado e fale com o
Roboão sobre o recrutamento do pessoal necessário."
Neste momento entrou Job, o secretário do Presidente.
Jacob afastou-se discretamente.
"-Senhor Presidente, acaba de chegar um relatório
da segurança indicando certos nomes de pessoas que não devem ser contratadas.
Há suspeitas de que algumas não sejam confiáveis."
"-Ótimo trabalho do Gow - jamais lhe faltou a
intuição. Precisamos estar alertas."
"-Ah! outra coisa, Sr. Presidente, o Dr. Noé
telefonou novamente. Parece aflito para a aprovação de alguns desenhos."
"-Ora, este Noé! Sempre querendo me confundir com
dados de madeira, centros de fluxos, etc. Ele acha que não devo me responsabilizar
sozinho pela aprovação desses desenhos. Diga-lhe que nomeei um grupo de
trabalho: o GT-BAR - Grupo de Trabalho do Barco, para dar-me um parecer. O
rapaz é bom de projeto, mas nada entende de custos ou de administração por
objetivos. Mas teremos tudo nos eixos tão logo chegue o meu Chefe de
Administração. Vai colocar ordem e método nessa turma. Quero ver
produção."
.-.-.-.-.-.
Décimo quinto dia.
Quinze dias se passaram e o organograma proposto já
estava na mesa do Presidente: uma Diretoria das Coisas – DC, uma de Investimentos
- DI e uma de Barco - DB.
A DB já havia montado um laboratório especializado
para a medida de densidade da madeira, análise de fungos e cupins e já estavam
instalados os equipamentos para a medida de elasticidade e flexibilidade.
A Administração, em apenas quinze dias, já havia
elaborado as provas de seleção para arquivistas de desenho naval, provas de
seleção para o pessoal de seleção e recrutamento, pessoal de apoio, etc.
Roboão, como cumprimento ao Chefe, havia mandado
comprar uma charrete, último tipo, de seis rodas e boléia separada, já
acompanhada de charreteiro. Naturalmente houve pequeno atrito com Jacob (Chefe
de Material) mas, como eram antigos companheiros de armas, o incidente foi
esquecido e contornada a Auditoria.
Naquela noite Absalão estava cansado, mas não podia
esquivar-se de receber Noé em sua residência.
"-Sr. Presidente desculpe-me interromper o seu
descanso, mas o projeto já está pronto e as pessoas do GT-BAR ainda não foram
nomeadas. O material já está especificado, porém o laboratório ainda não emitiu
o laudo de aprovação da madeira e não conseguiu os carpinteiros para o corte...
Se o Sr. Presidente pudesse autorizar-me a trazer os carpinteiros conhecidos do
povoado..."
"-Não se preocupe Noé, falarei com o DB e
apressarei a contratação do pessoal. Você sabe, apesar de ser Presidente, não
posso mudar as normas da organização, autorizando diretamente seus
carpinteiros. Se o fizesse não precisaria delas. Da Chefia vem o exemplo do
cumprimento das normas. Não se preocupe que o EMPREENDIMENTO está nas mãos de
profissionais - os melhores. Boa noite, Noé..."
Noé afastou-se sem entender muito bem. Havia sido
convidado para construir um barco. Agora estava às voltas com normas,
instruções, exames de seleção... Balançou a cabeça - as coisas devem ser
complicadas mesmo - e o Presidente é um homem capaz, se não, não seria
Presidente. Partiu otimista para sua cabana. Se o Presidente disse, é porque
tudo vai indo muito bem.
.-.-.-.-.-.
Vigésimo quinto dia.
Job anuncia a chegada de Roboão.
"-Entre logo meu velho, sente-se. Aceita um leite
de cabra?"
"-Sim Chefe, obrigado. Por falar nisso, segundo a
lei, mandei distribuir leite de cabra pela manhã e pela tarde para todos nós.
Já está até codificado o material, para o controle pelo computador. Mas para
isso foi necessário adquirir duzentas cabras, alugar um pasto e contratar cinco
pastores. Jóia Chefe! Veja só: quarenta cabras por pastor e os pastores ganham
dez dinheiros."
"-Você é uma fera na administração de pessoal,
Roboão. Falarei com seu Diretor para propor sua promoção na próxima vez. Como
vai sua avaliação pessoal?"
"-Realmente não sei, Chefe. É
Confidencial..."
"-Darei um jeito para que seja boa, afinal já temos
quinhentas pessoas no efetivo e todas passaram por você. E você ainda conseguiu
comprimir o quadro que era de oitocentas pessoas! Quanto economizamos em
média?"
"-Nessa trezentas pessoas, cerca de quatro mil
dinheiros, Chefe!"- respondeu Roboão com um sorriso de modesta satisfação.
Talvez fosse aumentado para trinta dinheiros, pensou.
"-Roboão, não quero incomodá-lo e nem por sombra
desfazer do belíssimo trabalho de sua equipe, mas Noé me disse que ainda não
foram contratados os carpinteiros para o corte..."
"-Ora, Chefe, Noé é um sonhador. Só pensa nos
seus benefícios. Já lhe expliquei a complexidade da contratação. Por exemplo:
já aumentamos a oferta para seis dinheiros, porém todos os carpinteiros
candidatos foram reprovados no 1º psicotécnico. Não adianta contratar pessoal
sem aptidão psicoprofissional para o corte da madeira. Se não passam nem neste
exame, imagina nos outros. Além disso, o psicotécnico deve ser o primeiro exame
para eliminar logo os agressivos. O Sr. sabe, com toda essa madeira para
cortar, pode haver acidentes muito sérios..."
"-Realmente você tem razão, Roboão. Noé
desconhece o que é uma boa organização. Toque o seu trabalho como você achar
melhor. Se o contratei é porque tenho total confiança no seu trabalho...”
.-.-.-.-.-.
Quadragésimo dia.
Finalmente a primeira reunião da Diretoria.
Era o momento solene das grandes decisões de cúpula do
EMPREENDIMENTO. Todos com os seus melhores ternos, sentados à mesa de reunião
com suas pastas tipo 007.
O Presidente, satisfeito, relatava que o
EMPREENDIMENTO era o orgulho do povoado.
Havia muito trabalho e emprego para todos.
Aproveitando o clima de satisfação, o DC informou que
havia feito um convênio com a Escola de Carpinteiros, pois a mão-de-obra
necessária estava aquém do treinamento desejado.
Além disso, havia criado o Departamento de Recursos
Humanos com a missão de treinar de novo os carpinteiros para a técnica naval e
também datilógrafas, secretárias e auxiliares administrativos. Havia também
criado um Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho, por força de lei. O
ambulatório já atendia vinte pessoas por dia.
O DB aproveitando a brecha do DC ponderou timidamente
que faltava papel para desenho e que a eficiência dos carpinteiros era baixa,
havia só um que cortou três árvores, sendo duas bichadas, de acordo com o
último relatório do Controle de Qualidade. Noé, o técnico, estava tentando
suprir a falta, desenhando em folhas de bananeiras e cortando árvore à noite,
após o expediente.
Quando se propôs aumentar o salário de Noé para quinze
dinheiros, o DC explodiu seguido de perto pelo DI.
"-Estes tecnocratas paisanos não funcionam e
ainda querem aumento! Sr. Presidente, sou de opinião que devemos aumentar a
equipe de recrutamento e apertar as provas de seleção. Nossa equipe técnica
deixa muito a desejar!"
"-Perdão, retrucou o DB - O laboratório
funciona! Veja como detectou as árvores bichadas. Acontece que não temos o
apoio necessário. O Sr. está desviando recursos para a área de Operação do
barco, recrutando timoneiros, taifeiros, etc."
"-Mas é lógico, interveio o
Presidente - temos que agir com antecedência no treinamento. Treinar é
investir no futuro!"
.-.-.-.-.-.
Octogésimo dia.
Absalão, na ravina, estava orgulhoso. Era Presidente
de um EMPREENDIMENTO que já contava com mil e duzentas pessoas.
As preocupações de Noé eram infundadas. Não passava de
um tecnocrata pessimista.
Felizmente já havia o Diretor Técnico para despachar
com Noé; menos um aborrecimento.
Subitamente - “Puff”! - uma nuvem de fumaça.
- "O MINISTRO DO SENHOR!" - murmurou
Absalão, prostrando-se.
"-ABSALÃO, PONHA GENTE QUE DÊ MAIS PESO NO TOPO,
CASO CONTRÁRIO O EMPREENDIMENTO AFUNDARÁ". - “Puff”.
Absalão correu à cabana de Noé.
"-Noé, Noé, ponha um convés no alto do mastro,
vou colocar as pessoas mais pesadas em cima."
"-Mas Presidente, isto é impossível... o convés sempre é abaixo e o mastro aponta
para cima. Se aumentarmos a massa no topo, o barco vai emborcar."
"-Não discuta alimentação agora comigo Noé. O
MINISTRO mandou colocar homens pesados no topo e é isto que vou fazer... e
cumpra as minhas ordens!"
Noé retrucou, para si mesmo: "O Presidente
está nervoso. Talvez Job possa fazê-lo ver mais claro..."
Noé correu à Secretaria Geral, mas lá encontrou o
Comandante de Operações de Barco que já esperava há duas horas. Com ele estavam
o Sub-Comandante Nível 3, o Imediato, o Pré-Imediato, dois Assistentes e três
Assessores.
"-Noé - disse o Comandante - o seu projeto não anda! Como
vou treinar meus homens sem barco? Vou pedir aprovação do Presidente para
adquirir um simulador de barco, caso contrário não me responsabilizo. O DI diz
que minha Razão de Operação está horrível, mas alocou custos na minha
área!."
Noé balançou a cabeça e retirou-se vagarosamente.
Realmente, o que ele conseguiria? Uma meia dúzia de desenhos e alguns em folhas
de bananeira? Isto em oitenta dias. Ele havia prometido que faria o barco em
cento e vinte dias ao Presidente! Estava acabrunhado e sentia-se um
incompetente. Mas, o que estaria errado?
.-.-.-.-.-.
O Presidente entrou furioso, desabafando em Job.
"-Veja só! Faltam apenas quarenta dias e a
Divisão de Importação diz que há crise de transportes e a madeira só chegará dentro
de um prazo médio de dez dias! O pessoal de P.O., mais o de O&M junto com o
CBP já fez tudo para diminuir o caminho crítico de um tal de PERTO - mas estou
vendo tudo longe!"
"-Quero uma reunião de emergência com os
Diretores. Vou despedir o Setor de Carpintaria e contratar outro."
"-Se não fosse o Roboão com a equipe de
Recrutamento, não sei o que seria ... !"
"-Mas Presidente - perguntou Job
- faltam quarenta dias para que?"
"-Para o Dilúvio, meu filho, para o Dilúvio!
Envie o seguinte TELEX":
De: Absalão Presidente (AP)
Para: O SENHOR CRIADOR (SC)
SOLICITO PRORROGAÇÃO PRAZO RESTANTE QUARENTA
DIAS. DIFICULDADES INTRANSPONÍVEIS CRISE
INTERNACIONAL DE MADEIRA. PROSTRAÇÕES. ABSALÃO.
O ruído monótono da tele impressora deixava Absalão
ansioso, mas a resposta veio finalmente:
DO: SENHOR
PARA: Absalão
CONCEDIDO PRAZO: MAIS CINCO DIAS IMPRORROGÁVEIS.
ELEVAÇÃO DAS ÁGUAS EM ANDAMENTO.
.-.-.-.-.-.
Centésimo dia.
Reunião da Diretoria.
"-Senhor Presidente - falou o DI - dentro
de uma semana vencem nossos empréstimos internacionais com povoados e o
Caixa não tem fundos suficientes. Nosso EMPREENDIMENTO economicamente vai bem,
mas financeiramente estamos à beira de uma crise de insolvência de caixa.
Sugiro uma redução de pessoal!!!"
"-Toda vez que se fala em reduções, todos olham
para mim - explodiu o Comandante de Operações - Sem mais homens não há
operação do barco, que nem sairá do porto. E meu simulador ainda
não foi aprovado!"
"-Sr. Presidente, - timidamente
tentou o DB - acho que o Comandante tem razão, mas não prometeram ao
MINISTRO que o barco estaria pronto muito em breve? Mas... sem
material..."
"-Como posso fabricar madeira? - gritou o DC
- meu laboratório não acha madeira local e há crise de transporte! Os carpinteiros
são incompetentes...; e este tal de Noé? Que fez ele até agora? E ganha dez
dinheiros...!"
"-Senhores!"- falou o
Presidente.
Todos olharam esperançosos.
"-A situação do EMPREENDIMENTO é razoável, mas
temos que tomar uma atitude mais séria quanto ao projeto do barco..."
"-Presidente, não quero interrompê-lo, mas em
nossos arquivos constam os exames de admissão de Noé e nem sabemos se ele é
mesmo engenheiro naval..."
"-Sim, a culpa é minha - falou o
Presidente - mas quando contratei Noé ainda não existiam as normas do EMPREENDIMENTO."
"-Tudo era muito improvisado naqueles dias, Sr.
Presidente, e a culpa não pode ser somente de V. Exa. - acrescentou o
DI..."
"-Então está existindo um desvio de função, Sr. Presidente!"- redarguiu o
Comandante de Operações, acrescentando: "- Não podemos permitir que o
mau exemplo prolifere! O que vou dizer ao meu pessoal? Como vou manter o moral
da equipe, permitindo que eles pilotem um barco construído por um arrivista
qualquer, que nem engenheiro é? Não há
outra solução, Sr.Presidente..."
Todos se entreolharam. Alguns começaram a rabiscar
flechas nos blocos de anotações. Absalão calado... Por fim a decisão:
"-Noé está despedido!" - falou o
Presidente.
E virando-se para Roboão:
"-Providencie a anotação em sua carteira de
trabalho..."
"-Mas Chefe, nem carteira ele tem..."
"-É isso! Um desorganizado total! Cada vez mais
me convenço do erro de tê-lo convidado: notifique-o, então, que está sendo
despedido no interesse do EMPREENDIMENTO..."
Noé realmente ficou furioso com a notificação. Nem
exigiu a fração do 13º salário que lhe cabia; estava disposto a sair daquela
terra e o caminho mais fácil era pelo rio. Partiu para a floresta e reuniu
cinco companheiros.
"-Amigos, vamos cortar estas árvores bichadas
mesmo, construir um barco e sair daqui!"
"- Mas Noé, não somos carpinteiros nem sabemos
fazer barcos..."
"-Não importa! Ensinarei a cortar a madeira e já
temos os desenhos. Faremos uma equipe motivada, com o objetivo de construir um
barco para uma vida melhor em outras terras! Levaremos uns bichos a bordo para
comer na viagem. Só falta meter mão à obra!"
A madeira começou a ser cortada. Lascas por todo lado,
as partes mais bichadas eram isoladas e deixadas de lado. Mosquitos voavam ao
tombar das árvores.
Em poucos dias o casco do barco já tomava forma.
.-.-.-.-.-.
Centésimo vigésimo quinto dia.
O Presidente acordou preocupado. A madeira tinha
chegado mas só havia três carpinteiros no Setor de Carpintaria. Sua charrete
tomou o caminho mais rápido para o escritório, para evitar o mau tempo. Nuvens
pesadas cobriam os céus.
Absalão foi direto ao Telex mas Job só chegava às dez
horas. Absalão correu ao CPD.
"-O que há por aqui? O expediente ainda não
começou? Quem é você?"
"-Sou uma perfuradora de cartões, Senhor. Há dias
não há ninguém por aqui. Dizem que devido ao novo Plano de Classificação de
Cargos e pela Política de Promoções, ninguém vai ficar..."
Absalão voltou ao escritório. No caminho encontrou com
Gaw que lhe disse, preocupado, haver um zum-zum-zum
acerca de um tal Plúvio que estava para chegar a qualquer momento e que poderia
ser um terrorista, mas que sua equipe...
Absalão ficou lívido e correu para o Telex.
"-Job, rápido! Passe este Telex"
DE: ABSALÃO PRESIDENTE (AP)
PARA: O SENHOR CRIADOR (SC)
DIFICULDADES INSUPERÁVEIS COM PROJETISTA ATRASARAM
EMPREENDIMENTO. SOLICITO PRORROGAÇÃO DO PRAZO.
A resposta foi imediata:
Do: SENHOR
Para: Absalão
PRORROGAÇÃO NEGADA.
E começou a chover... Absalão correu para fora,
seguido de Jacob. A chuva era forte, mas Jacob gritou: "- Chefe há um
barco descendo o rio. Veja na proa... está escrito... está escrito: ARCA DE
NOÉ"
.
SORRIA
DISCRETAMENTE SE, DURANTE A LEITURA DESTE TEXTO, VOCÊ VESTIU A CARAPUÇA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário