terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

MUDANDO O FOCO PARA INFORMAÇÃO

WAGNER DAMIANI, PROFESSOR DA FGV-EAESP E DA BYU, COMPARA OS COMPLEXOS SISTEMAS CORPORATIVOS DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO A FAZENDAS DE GADO LEITEIRO E PROPÕE QUE OS GESTORES COMPREM AS INFORMAÇÕES DE APOIO À TOMADA DE DECISÕES COMO QUEM COMPRA LEITE NO SUPERMERCADO,

Aprendi três lições valiosas nas pesquisas que realizei com cerca de 2 mil dos executivos mais poderosos dos Estados Unidos e do Brasil para minha tese de doutorado, em 1995:
  • ·   A maioria dos executivos acha tudo caro, complicado e demorado quando o assunto é tecnologia da informação (TI).
  • ·        Profissionais de TI falam “informatiquês” ou “computês”.
  • ·        Executivos não querem aprender nenhum desses “idiomas”.

Ao mesmo tempo, os executivos necessitam, cada vez mais, de informações confiáveis e rápidas para tomar suas decisões sobre vendas, lucratividade, custos, pessoas, clientes, concorrentes, etc. E a entrega destas depende essencialmente da TI. Assim, desde minha tese até os dias atuais, as empresas do mundo investiram incontáveis milhões de dólares em TI. Só que grande parte dos gestores ainda não encontrou uma forma simples, rápida e econômica de obter informações de gestão que sejam realmente úteis e precisas – algo que venho confirmando ano após ano em sucessivas pesquisas de campo tanto nos Estados Unidos como no Brasil.
Nada menos que metade dos projetos de informatização de apoio para as decisões de altos executivos fracassa na primeira tentativa. E isso é invariavelmente seguido de infindáveis discussões sobre quem errou: foi o fornecedor dos equipamentos? O fornecedor de programas? O fornecedor de serviços de implementação? Como nenhum dos três é responsável pelo resultado final, não raro a culpa recai sobre os profissionais de informática da empresa que escolheram os fornecedores.
A comparação pode soar estranha, mas isso se parece mais com a história da pessoa que desejava comprar leite e lhe venderam uma vaca. A ideia de termos uma vaca para poder beber leite até poderia ser adequada à primeira vista – não fosse pelo fato de que nenhum de nós cria vacas no quintal de casa ou na varanda do apartamento, certo? Quanto custa uma vaca? Quanto custa um litro de leite comprado no supermercado? Uma vaca requer espaço, pasto, veterinários, vacinas e vaqueiros para limpeza dos inevitáveis “outputs” dela. Com muita sorte a vaca não “vai para o brejo” e um dia beberemos o leite mais caro, complicado e demorado que pudemos produzir. O problema é que o atual mercado de tecnologia nos vende basicamente vacas – que é apenas outro nome para os equipamentos, programas e horas técnicas – e a maioria de nós entende tanto de informática quanto de vacas. Com esse raciocínio encontrei a solução: o executivo precisa passar a ter acesso não à vaca, mas ao leite – ou terá de cuidar de uma fazenda.

TECNOLOGIA X INFORMAÇÃO
Por que o leite? Pelos benefícios diretos que nos proporciona, tais como vitaminas, proteínas e sais minerais (cálcio e fósforo, entre outros), essenciais para formação e manutenção de nosso corpo. Analogamente, as informações são cruciais para o desenvolvimento de nossos negócios. Da mesma forma que os pais buscam saúde para seus filhos, os altos executivos desejam informações consolidadas e consistentes para viabilizar o crescimento forte e saudável de suas empresas.
Se as vacas tecnológicas – os equipamentos e programas e as pessoas contratadas para manejá-los – não ficarão dentro da empresa, quem proverá a infraestrutura necessária à produção desses benefícios? No caso do leite, o produtor rural mantém o gado leiteiro em sua propriedade.
Ora, os executivos podem contratar a entrega das informações que desejam ter. Se assim o fizerem, concentrarão seu conhecimento, seus esforços e seus investimentos na definição e na escolha de quais informações e em que formato querem recebe-las.
Nenhum de nós precisa ser pecuarista para comprar um bom leite, e ninguém precisa ser engenheiro de informática para ter boas informações e tomar as melhores decisões.

DESAFIOS
Só que, a menos que alguém tome a iniciativa de começar a “comprar leite”, as empresas continuarão a gastar muito dinheiro para manter as áreas de TI alimentadas com novos equipamentos e programas em meio à “sujeira” das informações. O que as impede de mudar esse paradigma? Em minha experiência, tenho percebido quatro preocupações que se repetem:
  1. Controle. Guardar informações estratégicas fora da empresa é má ideia. É, mais ou menos, como viver nas nuvens; pode parecer até uma vida melhor, angelical, mas facilmente se perde contato com a realidade da terra. Creio na entrega de informações apenas com infraestrutura de equipamentos e programas instalada dentro da empresa. E os responsáveis por elas, embora terceirizados, precisam ter qualificação sênior, forte treinamento e contratos de confidencialidade rigorosos. Não deve haver externalização ou computação em nuvem em uma prestação de serviço desse tipo.
  2. Custo. Outra preocupação deve ser o valor do investimento necessário. Afinal, a maioria das empresas coloca sua área de TI sob a tutela dos executivos financeiros e tem ao menos a ilusão de que controla os gastos. Mas controla de fato? Quando os especialistas em tecnologia dizem algo equivalente a “Se não comprarmos mais vacas, todos ficaremos sem leite”, não há remédio senão investir. Mesmo em um cenário em que haja vacas suficientes, os gestores raramente conseguem conter os esforços – e gastos – necessários para prover o pasto e limpar os outputs.
  3. Qualidade da informação. Os gestores precisam de respostas a suas perguntas diárias sobre o andamento dos negócios da empresa – não basta um retrato mensal tirado pela área contábil uma quinzena após o fim do mês, quando já é tarde para muitas correções de rota. A área de TI, ocupada com as vacas, dificilmente faz mais do que esse retrato. Na verdade, definir os indicadores de desempenho que mais importam é como definir o tipo de leite, A ou B. E fica mais fácil limpar o excesso de informações de qualidade duvidosa – que são como o leite que azeda.
  4. Velocidade. Acredita-se que a área de tecnologia interna é mais ágil do que a externa. No entanto, como não raro seu foco é a própria tecnologia, os gestores acabam por sofrer de inanição de informação até que toda a infraestrutura fique pronta – na instalação e nas atualizações que são quase permanentes. Pense na última vez que você pediu algo para a área de TI e ficou pronto no mesmo dia ou semana. Talvez em três meses... Ou em dois anos.
NOVO FOCO
Da minha pesquisa para o doutorado nasceu a convicção de que temos trabalhado esse tempo todo com o foco errado. O foco do gestor deve estar nos negócios, não na tecnologia; sendo assim, é necessário que se substituam algumas velhas premissas por novas:
·         Precisam ser utilizados, no manejo das informações, equipamentos de informática semelhantes aos que os executivos usam em casa, dispensando-se treinamento e manuais de uso de computadores, sistemas operacionais e programas aplicativos. Equipamentos como televisão, telefones celulares, tablets e tocadores de multimídia não precisam de aprendizado, certo? Já estão incorporados a nosso uso diário, uma vez que todos já sabemos ler notícias digitais, ver TV, ouvir música e tirar fotos.
·         Pode-se pagar uma taxa de serviço mensal pelas informações, em vez de ter de arcar com todo o custo da infraestrutura e mão de obra tecnológica – como quem paga uma conta de luz, água ou telefone.
·         Como se trata de uma abordagem de serviço total na área de informações, jamais pode haver jogo de empurra-empurra de culpas entre o equipamento, o programa e as pessoas. A informação tem de estar ali, nas mãos do gestor e na hora em que ele precisa. Ponto final. Isso significa que o serviço total é também o serviço contínuo – não importa que a garantia do equipamento tenha expirado e ele precise de manutenção.
·         Executivos diferentes demandam informações diferentes, mesmo que façam parte da mesma empresa. Suas funções e seus estilos individuais os diferenciam. É importante que as informações entregues respeitem essas diferenças, adaptando-se a elas, para que possa haver real vantagem estratégica.
·         As informações mudam de cara, não só por serem adaptadas ao estilo do gestor, mas porque passam a vir direto da fonte. Antes havia grande quantidade de pessoas “tratando” a informação, editando, cortando e colando, de modo que depois da “maquiagem” ela ficasse bonita aos olhos.
·         Sendo o foco no negócio, não na tecnologia, todo o raciocínio passa a se pautar pela qualidade das decisões, o que decorre da qualidade das informações. Assim, o que fica em evidência é a qualidade de um gestor por meio de suas decisões. O objetivo de qualquer entrega de informação – ou de leite, para voltarmos à metáfora original – tem de ser apoiar o gestor em suas necessidades diárias de informações. As duas coisas não podem ser desvinculadas.

COMPROMETIMENTO ALÉM DO INCÔMODO
Muitos executivos se surpreendem inicialmente com as informações que recebem direto da fonte. Estavam acostumados com informações filtradas, e a diferença pode ser realmente incômoda. Todos conhecemos algum gestor demitido que perdeu o emprego ao tomar decisões enganado pela aparência das apresentações em planilhas ou slides por divergências entre faturamento, estoque, contabilidade e caixa.
Agir baseado em informações vivas conectadas com a origem, sem intervenção humana, tende a ser um seguro contra surpresas desagradáveis.
Lincoln Martins, CEO do Grupo Multi (que reúne as escolas Wizard, Yazigi, Skill, MicroLins, People, Alps, SOS), é um dos entusiastas desse novo paradigma de informações diretas. Segundo Martins, “ter relatórios que representam a realidade faz toda a diferença para tomar decisões”.
Como disse o alemão Goethe: “Não há nada mais triste que ver a ignorância em ação”. Está na hora de os executivos chamarem para si a responsabilidade por tomar decisões com informações ágeis e confiáveis – só devem definir de quais informações precisam e em que formato.

Wagner Damiani é professor de Tecnologia da Informação da FGV-EAESP e da Brigham Young University.

*Publicado na Revista HSM Management nº 90 / Janeiro-Fevereiro 2012

Um comentário:

  1. Acho interessante uma colocação: alguém já se preocupou com a hipótese de que profissionais de TI talvez "residam" em universo à parte das demais categorias profissionais? Isso porque, não só o fator "linguagem/comunicação" parece os diferir dos demais, mas também a pouca ou nenhuma psicologia que a maioria costuma apresentar, quando isso lhes é solicitado no mundo "real". Necessidade de humanização na TI, talvez seja a palavra chave.

    ResponderExcluir