Por Sherry Suib Cohen
Uma reportagem sobre o Canadá cai na sua mão quando você planejava passar as férias lá. Um livro sobre mães e filhas despenca da estante no dia em que você briga com sua mãe. Mais do que coincidência? Pode ser a sincronicidade.
Você pode acreditar ou não nas histórias que se seguem. Mas elas aconteceram. Marina e sua mãe se irritavam mutuamente. Extremamente crítica, a mãe vivia resmungando na presença da filha. Há algumas semanas, Marina decidiu passar o fim de semana com a mãe, que acabara de se divorciar e se sentia solitária. Ambas desejavam que aqueles dois dias fossem maravilhosos. Não foram. Foram terríveis.
Chegando em casa, Marina enfurnou-se sob as cobertas, deprimida – ela não conseguia parar de chorar. Um livro, que caíra no chão, soltando-se de uma estante abarrotada de dezenas de outros títulos, chamou-lhe a atenção. Marina o apanhou. Era um trabalho da psicóloga americana Nancy Friday, sobre as relações das mulheres com suas mães. Alguém lhe dera, havia alguns anos, mas ela nunca o tinha sequer tocado. Os cabelos da sua nuca se eriçaram. Marina leu o livro de uma tacada só. Nele, reconheceu seus problemas: o que considerava frieza materna pôde ser interpretado como ansiedade. O que chamava de “síndrome da censura” passou a ser visto como uma preocupação extrema da mãe com a sua felicidade. O livro, que caiu da estante naquele momento, começou a mudar o relacionamento entre elas. Coincidência?
DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO
Caroline Knapp é uma jornalista americana, da cidade de Boston. Em agosto de 1995, Caroline escreveu uns artigos para uma revista feminina que circula nos Estados Unidos. Foi um texto corajoso, quase uma carta aberta para o seu pai, no qual ela falava da sua dependência de álcool e do modo pelo qual ela finalmente tinha conseguido se livrar dela.
Logo depois que o artigo foi publicado, Caroline foi convidada a participar de uma reunião dos Alcoólatras Anônimos (AA) no outro lado do Atlântico, em uma pequena cidade da Inglaterra. A jornalista aceitou, apesar de inúmeros compromissos que tinha na agenda. Chegando à reunião, ela observou uma jovem chorando incontrolavelmente, na primeira fila. No final da sessão, a jovem, ainda chorando, se dirigiu ao banheiro. “Geralmente, quando termina uma reunião dos AA, eu vou direto para o meu carro”, conta Caroline. “Mas, daquela vez, alguma coisa me fez seguir aquela moça”. Quando entrou no banheiro, a jovem chorosa virou-se e a reconheceu. “Não foi você que escreveu aquele artigo na revista?”, perguntou ela. Caroline respondeu que sim, espantada por ter encontrado ali uma leitora. “Meu Deus, foi por causa dele que resolvi tomar uma atitude e estou aqui hoje.” Era a primeira sessão dos AA a que a jovem assistia. Só coincidência?
ESCARAVELHO DOURADO
Duas histórias diferentes, duas coincidências fabulosas, duas situações extraordinárias de sincronicidade. Sincronicidade já foi definida como a ocorrência de coincidências tão inusitadas e significativas que não podem ser atribuídas somente ao acaso. Afinal, por que encontramos alguém justamente quando precisamos encontrar essa pessoa? Por que topamos com um artigo sobre o Canadá justamente quando estávamos pensando em ir para o Canadá? Por que o ator Christopher Reeve interpretou um policial paralítico num filme pouco antes de sofrer um acidente que o deixou tetraplégico?
A palavra sincronicidade foi popularizada pelo psiquiatra suíço Carl Jung. O psiquiatra acreditava que havia uma interligação entre todas as coisas do universo e que ela se manifestaria pela sincronicidade – essas coincidências verdadeiramente significativas -, que liga o mundo material ao mundo psíquico. A experiência que levou Jung a pensar sobre o assunto aconteceu quando ele estava tratando uma paciente, cujo pensamento lógico e controlado bloqueava a terapia. Certo dia, essa paciente contou a Jung um sonho. Nesse sonho, ela presenteava alguém com uma valiosa jóia em forma de um escaravelho dourado. O analista sabia que o escaravelho era uma imagem usada entre os antigos egípcios como um símbolo do renascimento e ficou imaginando se o inconsciente da paciente anunciava que ela estava prestes a passar por um renascimento psicológico. Quando começou a falar de sua teoria, olhou para cima e notou um escaravelho verde-dourado debatendo-se contra a vidraça. Jung sabia que era estranho um inseto tentar entrar num aposento escuro num dia radioso. Abriu a janela, alcançou o inseto e levou-o a sua cliente. “Aqui está o escaravelho”, ele disse. A experiência levou a paciente a abandonar a rigidez mental e fluir com a análise.
ONDAS CEREBRAIS
Hoje, mais de trinta anos depois da morte de Jung, físicos quânticos tentam explicar os fenômenos de sincronicidade. A Física Quântica surgiu com a teoria da relatividade, de Albert Einstein, para a qual o tempo e espaço não são entidades separadas; estão ligadas e fazem parte de um todo maior, que ele chamou de espaço/tempo continuum.
O físico David Bohm, da Universidade de Londres, protegido de Einstein e um dos físicos quânticos mais respeitados do mundo desenvolveram esse conceito. Disse que não só o espaço e o tempo, mas todos os elementos do universo são parte de um continuum. Para a Física Quântica, tudo está relacionado. Um exercício recomendado pelo escritor americano Michael Talbot para transmitir a idéia para os leigos é o seguinte: imagine que a luz que vem da lâmpada da sala, a almofada do sofá e a sua mão estão interligadas, como parte de uma massa. “Seres vivos, objetos aparentes, tudo está unido por uma teia, com incontáveis braços e apêndices”, diz Talbot.
Para Eugene Hecht, professor de Física da Universidade de Adelphi, nos Estados Unidos, a matéria interage com o espaço de diversas formas: por meio da força da gravidade, que nos puxa para baixo, e do eletromagnetismo (forças elétricas e magnéticas que promovem a troca de energia entre os corpos).
Então, se estamos ligados, alguns cientistas imaginam que poderíamos nos comunicar de forma inteligível por meio de sinais eletromagnéticos, possivelmente emitidos pelo cérebro.
A Força Aérea americana desenvolve um programa no qual os seus cientistas são estimulados a ler e a alimentar ondas cerebrais em computadores – o cientista usa um pequeno capacete capaz de recolher sinais eletromagnéticos emitidos pelas correntes cerebrais e traduzi-los em palavras – ainda que num nível bastante elementar. Se tudo no universo – passado, presente e futuro – está de fato ligado por alguma força física, a percepção extra-sensorial e a sincronicidade não podem mais ser consideradas fantasias da imaginação. E, além de serem fisicamente detectáveis, podem produzir efeitos até agora pouco explicados.
A FORÇA DOS DESEJOS
Muitos preferem acreditar que as coincidências extraordinárias têm explicação em fenômenos sobrenaturais ou religiosos. A sincronicidade, sob esse ângulo, seria uma mostra de que um ser superior rege o universo como um maestro de orquestra. Seja qual for a razão, experimentar esse tipo de coincidência, segundo a psicoterapeuta americana Ruth Rosebaum, provoca uma ruptura muito positiva no cotidiano. “Uma experiência de sincronicidade tende a fazer as pessoas sentirem que está acontecendo alguma coisa de incomum, alguma coisa que beira o espiritual”, diz ela. “A vida delas passa a ter uma história mais rica, cheia de significados.”
O médico americano Deepak Choppra, autor de best-sellers da Nova Era e guru de atores de Hollywood, acredita que os acontecimentos sincrônicos podem ser provocados pelos nossos desejos. “O espírito, que nos liga a tudo, é uma força concreta. Se, num nível sutil de consciência, criamos a intenção de nos conectar com algo, podemos induzir a ocorrência dos acontecimentos sincrônicos”, diz Choppra.
Ele acredita que uma coincidência recente em sua vida foi resultado de sua vontade. Ele conta ter passado uma viagem inteira pensando fortemente em alguém. “Quando saí do hotel, lá estava a pessoa, na minha frente, sem que tivéssemos combinado nada”, lembra. Segundo a linha de raciocínio do médico, ao pensar intensamente em alguém podemos sensibilizá-lo para desejar nos ver ou ainda podemos estar respondendo a impulsos liberados pelo pensamento do outro.
Dan Wakefield, escritor que mora em Miami Beach, na Flórida, concorda com Choppra quando este diz que é possível criar sincronicidade. Há alguns anos, Wakefield andava numa maré de falta de sorte – falido e sem idéias para o novo livro. “Preciso de um milagre”, disse a um amigo. Três dias depois, recebeu uma ligação de um editor com quem nunca tinha feito negócio, pedindo-lhe um livro. “Sobre o que?”, perguntou. “Milagres”, respondeu o editor.
Wakefield, hoje o autor de Expect a Miracle (Espere um Milagre), acredita que algumas pessoas aprendem a criar uma atmosfera na qual a sincronicidade ocorre com mais facilidade: para elas, coincidências milagrosas parecem acontecer o tempo todo. “Elas estão abertas às possibilidades”, diz Wakefield. “Sabem se desligar de elementos que causam distração – o álcool, as drogas, um walkman ou a TV”.
PURO ACASO
Se um amigo lhe traz exatamente o livro que você estava pensando em ler, isso é sincronicidade? Provavelmente não. Seu amigo conhece bem seus gostos e pode ser capaz de adivinhar o livro que você está querendo ler no momento. Na realidade, acredita o estudioso desses fenômenos, Michael Murphy, do Instituto Esalen, em San Rafael, Califórnia, nos Estados Unidos, existem falsas sincronicidades. “O esquizofrênico clássico vê coincidência em tudo, mas ele é louco,” diz Murphy. “Temos de ser seletivos. Se acharmos que cada acontecimento casual tem um significado especial, não estaremos aprendendo nada.”
Então, como podemos saber que uma coincidência é mais do que o puro acaso? Pense. Ela tinha a ver com suas reflexões recentes? Ela acontece em um momento em que você se sente desorientado, em meio a uma busca por mudanças? Parece que o mesmo tipo de coincidências está se repetindo? Se isso estiver acontecendo, você pode estar diante de um sinal de sincronicidade.
“Prestar atenção aos acontecimentos sincrônicos é outro meio de nos orientarmos”, explica Jean Bolen, professora de Psicologia Clínica do Centro Médico da Universidade da Califórnia. O acontecimento sincrônico, segundo os estudiosos, muitas vezes passa despercebido. Mas ele pode ser um instrumento de mudança na sua vida pessoal e profissional. Afinal, se um livro cai da sua estante no momento em que você está precisando dele, como aconteceu no caso de Marina, você não arrisca nem uma espiada, antes de colocá-lo de volta na prateleira?
Publicado originalmente na revista americana New Woman.
Transcrito da Revista Claudia, Edição de dezembro de 1996.
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