sábado, 22 de janeiro de 2011

A IMPORTÂNCIA DOS MODELOS DE NEGÓCIO

Por Joan Magretta

Em qualquer época ou circunstância, nenhuma empresa jamais conseguiu ser bem sucedida sem eles.

A expressão Modelo de Negócio foi uma das mais badaladas durante o boom da Internet. Sempre invocada “quando se queria glorificar planos elaborados às pressas e sem o devido acabamento”. As empresas não precisam de estratégia, nem de competências especiais e tampouco de clientes – bastava-lhes um modelo de negócio baseado na web com promessas de lucros fabulosos no futuro. Muitas pessoas embarcaram nesse conto da carochinha e se deram muito mal. Com a inevitável reviravolta que se sucedeu, o conceito de modelo de negócio saiu de moda quase tão rapidamente quanto as empresas ponto-com.
É uma pena. Houve um grande afluxo de capital para o financiamento de modelos de negócio pouco consistentes. Assim, não se deve culpar o conceito em si, mas o mau uso e as distorções de que ele foi vítima. Um modelo de negócio sadio continua sendo essencial para a organização bem sucedida, não importa se se trata de um empreendimento de risco ou já estabelecido. Contudo, antes que a gerência possa aplicar o conceito é necessário que esteja munida de uma definição de trabalho simples e capaz de afastar a névoa difusa que cerca a expressão.

UMA HISTÓRIA QUE VALE A PENA CONTAR
O termo “modelos” evoca imagens de quadros-negros repletos de fórmulas matemáticas herméticas. Mas, no fundo, eles não passam de histórias que explicam como as empresas funcionam. Um bom modelo de negócio responde sem dificuldade as indagações há tempos formuladas por Peter Drucker: quem é o cliente? O que é importante para ele? Além disso, responde também àquelas perguntas que todo gerente sério se faz: como é possível ganhar dinheiro nesse negócio? Que lógica econômica permite que eu proporcione ao cliente aquilo que ele deseja a um custo suportável?
Para responder a essas perguntas, nada melhor do que acompanhar a evolução de um dos modelos de negócio mais bem sucedido de todos os tempos: o dos cheques de viagem. Em 1892, durante um período de férias na Europa, J.C. Fargo, presidente da American Express, passou por terríveis transtornos ao procurar converter suas cartas de crédito em dinheiro. “Minhas cartas de crédito revelaram-se tão inúteis quanto papel de embrulho molhado”, disse ele. A American Express criou então o cheque de viagem. Nascia aí um modelo de negócio dotado de todos os elementos indispensáveis a uma boa história: personagens delineadas com precisão, motivações plausíveis e uma trama em que transparece uma compreensão clara do que é valor. Em troca de uma pequena taxa, o cliente poderia comprar paz de espírito (os cheques tinham seguro contra perda e roubo) e conveniência. Os comerciantes aceitavam os cheques porque confiavam na marca American Express. E também porque, ao aceitá-los, atraíam mais clientes.
A American Express, por sua vez, descobrira um negócio de risco zero, já que os clientes pagavam em dinheiro pelos cheques. Aí entra o elemento imponderável da trama, a lógica econômica subjacente que transformou a operação em uma máquina de dinheiro: a flutuação.  Na maior parte dos negócios, o custo precede a receita. Os cheques de viagem viraram de cabeça para baixo esse ciclo. Uma vez que as pessoas pagavam pelos cheques antes de usá-los, a American Express passava a desfrutar de algo com que os bancos há tempos se regalavam – o equivalente a um empréstimo sem juros do cliente. 
Como mostra a história um modelo de negócio bem sucedido é melhor do que quaisquer outras opções disponíveis. O modelo de negócio de Fargo mudou as regras do jogo – neste caso, a rotina econômica de quem viaja. Ao eliminar o temor de assaltos e as horas gastas na tentativa de obter dinheiro em uma cidade estranha, os cheques derrubaram uma das principais barreiras ás viagens, fazendo com que um contingente maior de pessoas se dispusesse a viajar. Geraram uma demanda nova e crescente. Foram, durante décadas, o meio preferido de transporte de dinheiro para o exterior, até que uma nova tecnologia – o caixa eletrônico – proporcionou aos usuários uma conveniência maior.
Uma nova trama de modelo de negócio poderá requerer o projeto de um novo produto destinado a satisfazer uma necessidade não atendida, como no caso dos cheques de viagem. Pode ainda suscitar uma inovação do processo, um meio mais bem acabado de produção, de venda ou de distribuição de um produto ou serviço já testado.
Um bom exemplo disso é o negócio criado por Michael Bronner, em 1980, quando ainda estudava na Universidade de Boston. Assim como seus colegas, Bronner comprava – de vez em quando – tíquetes que davam direito a descontos em livrarias e restaurantes. Os estudantes pagavam uma taxa pequena pelos talões. Bronner, porém, teve uma idéia melhor. É claro que os talões geravam valor para os estudantes, mas podiam gerar mais valor ainda para os comerciantes, bastando para isso que aumentassem suas vendas de pizza ou de cortes de cabelo. A chave para a liberação desse potencial seria o aumento da distribuição – o que significava colocar um talão de tíquetes na mochila de cada um dos alunos da universidade.
Havia dois problemas. Em primeiro lugar, os estudantes não tinham dinheiro. A distribuição gratuita dos talões resolveria essa dificuldade. Em segundo lugar, era imprescindível que a obtenção dos talões não corroesse os lucros de Bronner. Ele decidiu fazer então uma proposta ao reitor do departamento de alojamentos da Universidade de Boston: Bronner se incumbiria de conseguir os talões e os forneceria por atacado ao departamento de alojamentos, que, por sua vez, os distribuiria gratuitamente por todos os quartos do campus.
Bronner pôde então fazer uma proposta aos comerciantes da região: se eles concordassem em pagar uma pequena taxa para ter o nome de sua loja impresso nos talões, essa publicidade faria com que seu negócio se tornasse conhecido de todos os 14.000 estudantes residentes nos alojamentos da universidade. Não demorou muito, ele estendeu o conceito a outros campi e, mais tarde, aos prédios de escritórios da cidade. Nascia assim a Eastern Exclusives, sua primeira empresa. A inovação não era o talão de tíquetes, e sim o modelo de negócio, que só funcionou porque ele entendeu qual era a motivação de três grupos diferentes de personagens: alunos, comerciantes e administradores escolares.

A VOZ DO MERCADO
No momento em que uma empresa começa a operar, os pressupostos subjacentes a seu modelo de negócio passam a ser testados ininterruptamente pelo mercado. Seu sucesso depende quase sempre da habilidade do gerente de refinar ou mesmo revisar o modelo em funcionamento. Quando a Eurodisney abriu seu parque temático em Paris, em 1992, tomou como modelo um esquema que funcionava bem nos Estados Unidos. A empresa achou que os europeus passariam tanto tempo quanto os americanos no parque, e gastariam o mesmo que eles em alimentação, brinquedos e lembranças.
Todos os pressupostos com os quais a Disney havia trabalhado mostraram-se errados. Os europeus não eram como os americanos, que lambiscavam o dia todo em vários restaurantes. Em vez disso, preferiam almoçar ou jantar nos horários em que estavam acostumados, lotando os restaurantes e formando filas de clientes frustrados. Por causa de erros de cálculo como esses, a Eurodisney foi um fiasco em seus primeiros anos de funcionamento. Só se tornou um sucesso depois que algumas dezenas de elementos chave do seu modelo foram modificados.

DOIS TESTES CRÍTICOS
Se um modelo econômico não funciona, então é porque ele falhou no teste da narrativa (a história não faz sentido) ou no teste dos números (o demonstrativo de lucros e perdas não faz sentido). O modelo escolhido pelas mercearias on line, por exemplo, não passou na prova dos números. Esse segmento tem margens muito tímidas, e o comércio on line, como o da Web-van, acarreta novos custos de marketing, serviços, entregas e tecnologia. Uma vez que os clientes não se mostravam dispostos a pagar mais pelos produtos comprados on line, não havia como fazer a matemática funcionar.
Outros modelos foram reprovados no teste da narrativa. Foi o caso da Priceline Webhouse Club, de ascensão e queda meteóricas. Tratava-se de uma ramificação da Priceline.com, a empresa que lançou o processo por meio do qual o cliente dizia quanto estava disposto a pagar por sua passagem aérea. O entusiasmo que tomou conta de Wall Street no primeiro momento levou o CEO Jay Walker a ampliar o conceito para o segmento de mercadorias e de gasolina. A história que Walker quis contar foi a seguinte: através da web, milhões de consumidores lhe diriam quanto estariam dispostos a pagar, por exemplo, por um tablete de manteiga de amendoim. Podia-se especificar o preço, mas não a marca. Em seguida, a Webhouse reunia os lances dados e visitava as empresas como a P&G e a Bestfoods com a seguinte proposta: se você baixar em 50 centavos o preço de sua manteiga de amendoim, a Webhouse encomendará um milhão de unidades nesta semana. O objetivo da empresa era tornar-se corretora dos consumidores. Como representante de milhões de compradores, ela poderia negociar descontos e, em seguida, repassá-los aos consumidores.
Onde estava o furo da trama? A empresa partiu do pressuposto que organizações como P&G, Kimberly-Clark e Exxon estariam dispostas a participar dessa aventura. A questão é que essas grandes empresas gastaram décadas e bilhões de dólares construindo entre o público a lealdade à marca. Por que, então, elas ajudariam a Webhouse a corroer os preços e a identidade de marcas que elas tanto se esforçaram para construir? A história não fazia sentido para elas. Para ser a corretora que pretendia, a Webhouse precisaria ter uma base imensa de clientes fiéis, alimentada com os descontos prometidos. Uma vez que os fabricantes se recusavam a participar do empreendimento, a Webhouse se viu obrigada a financiar os descontos do próprio bolso. Em outubro de 2000, a empresa se descapitalizou totalmente. Com isso, sumiram também os investidores que ainda acreditavam na história.
Mesmo durante o boom da Internet, os executivos que estavam a par dos elementos básicos da filosofia de modelos de negócio tinham mais chances de vencer. Meg Whitman, por exemplo, começou a trabalhar no eBay porque, segundo ela, era fantástico ver o que descreveu como “vínculo emocional entre os usuários do eBay e o site”. O comportamento das pessoas era em si mesmo um indicador do potencial da marca. Também se deu conta de que o eBay, diferentemente de vários outros negócios de Internet que pipocavam na ocasião, simplesmente não poderia funcionar fora da web.
Whitman observou atentamente a psicologia e o raciocínio econômico que levam colecionadores, caçadores de barganhas e pequenos comerciantes a se aproximar do eBay. Seu modelo de leilão é um sucesso não somente porque a Internet baixa o custo da conexão que se estabelece entre vendedores e compradores, mas também porque tomou providencias que sempre resultam numa estrutura de custo conveniente. Depois de um leilão, a empresa deixa que compradores e vendedores acertem a logística do pagamento e do envio da mercadoria. Jamais o item negociado fica sob sua guarda. Também não há estoques, custos de transporte nem riscos de crédito.

E QUANTO À ESTRATÉGIA?
Toda organização viável se ergue sobre um modelo sólido de negócio, não importa se seus fundadores ou administradores o compreendem dessa forma. Contudo, modelo e estratégia são coisas diferentes. Os modelos mostram de que modo as partes de um negócio se combinam. Mas jamais alcançam a dimensão crítica do desempenho: a concorrência. Cedo ou tarde, toda empresa esbarra em sua concorrente. Lidar com isso é função da estratégia.
A estratégia competitiva mostra como uma empresa pode ser melhor do que outra. Ser melhor significa ser diferente. Se todas as empresas oferecem os mesmos produtos e serviços aos mesmos clientes sempre do mesmo jeito, nenhuma delas prosperará. Os clientes se beneficiarão ao menos no curto prazo, sempre que a concorrência empurrar para baixo os preços, de modo que o lucro se torne impraticável. Foi exatamente esse tipo de concorrência – de caráter destrutivo, nas palavras de Michael Porter – que pôs fim a diversos varejistas da Internet.
Para entender de que modo a estratégia se distingue do modelo de negócio, basta olhar para o Wal-Mart. Muita gente acha que o sucesso dessa gigante do varejo se deve a um novo modelo de negócio inaugurado por seu fundador. Nada disso. Quando Sam Walton abriu o primeiro Wal-Mart, em 1962, na pequena cidade de Rogers, Arkansas, o modelo existia havia bom tempo. Surgiu nos anos 50, quando um contingente de pioneiros da indústria começou a aplicar a lógica de supermercado na venda de mercadorias em geral. Desde os anos 30 os supermercados vinham educando sua clientela em relação à vantagem de abandonar o atendimento pessoal em troca de alimentos mais baratos. Essa nova estirpe de varejistas percebeu que poderia adaptar a trama básica do supermercado a roupas, eletrodomésticos e outros bens de consumo. A idéia consistia em oferecer preços mais baixos do que os das lojas de departamentos, reduzindo drasticamente os custos.  Primeiro, foi descartado o conforto que as caracterizava, como carpetes e lustres. Depois, as lojas foram configuradas de modo que pudessem receber grande quantidade de clientes. Houve ainda a redução do número de vendedores: os clientes escolhiam sozinhos os produtos que desejavam comprar.
Walton ouvira falar das novas lojas de descontos, visitou algumas e ficou satisfeito com seu potencial. Seu modelo de negócio era o mesmo do Kmart, mas sua estratégia era sem precedentes. Desde o início ele optou pó servir um grupo diferente de clientes em um conjunto diferente de mercados. As dez maiores lojas de descontos em 1962, hoje extintas, concentravam-se em vastas áreas metropolitanas e em cidades como Nova York. A estratégia chave de Walton consistia em abrir lojas imensas em cidadezinhas inexpressivas, o que ninguém fazia. Ele procurou cidades rurais isoladas, cuja população oscilava entre 5000 e 25000 habitantes. Deduziu que, se pudesse bater os preços das lojas das cidades, “as pessoas optariam por fazer suas compras perto de casa”. E já que os mercados do Wal-Mart eram, em geral, pequenos demais para suportar mais do que um grande varejista, conseguiu barrar a entrada de concorrentes.
O Wal-Mart também adotou um enfoque diferenciado de seus concorrentes no que se refere ao processo de comercialização e de fixação de preços. Enquanto a concorrência dependia de produtos de marcas próprias e de promoções, o Wal-Mart oferecia marcas nacionais a preços baixos todos os dias. Para que essa promessa se realizasse a empresa passou a perseguir a eficiência e a redução de custos por meio de práticas inovadoras em áreas como as de compras, logísticas e gerenciamento de informações.

SÓ UM BOM MODELO NÃO BASTA
A história da Dell Computer deixa ainda mais clara a relação entre modelo de negócio e estratégias. Diferentemente de Sam Walton, Michael Dell concebeu um modelo totalmente original. Enquanto outros fabricantes de PC’s vendiam seus produtos por meio de revendedores, Dell os vendia diretamente ao consumidor final. Isso permitia não somente um corte significativo na cadeia de valor como também lhe dava as informações de que necessita para gerenciar seus estoques melhor do que qualquer outra empresa. Como o ritmo de inovação na industria era intenso, a vantagem que Dell tinha sobre seus estoques permitia-lhe evitar os altos custos de obsolescência que os outros fabricantes se viam obrigados a suportar.
O modelo de Dell funcionava de modo semelhante a uma estratégia: seu diferencial era difícil de copiar. Se seus rivais tentassem a venda direta acabariam por desmontar os canais de distribuição já existentes e alienariam com isso os revendedores em quem confiavam. Encurralados pelas próprias estratégias, viram-se num dilema: copiassem ou não a estratégia de Dell, não conseguiriam batê-lo. No momento em que um novo modelo muda a economia de uma industria e se torna difícil de duplicar, cria por si mesmo uma vantagem competitiva forte.
Contudo, o que quase nunca é mencionado na história de Dell é o papel que a estratégia pura e simples teve no elevado desempenho da empresa. Embora o modelo direto de negócios da Dell determinasse quais atividades da cadeia de valor seriam realizadas, a empresa tinha ainda escolhas cruciais a fazer em relação ao tipo de cliente que pretendia servir e a que tipos de produtos e serviços deveria oferecer. Nos anos 90, por exemplo, enquanto outros fabricantes de PC’s se concentravam na produção de computadores para o mercado doméstico, a Dell escolheu as grandes corporações, muito mais lucrativas. Outros fabricantes ofereciam computadores a preços módicos para atrair uma clientela. Michael Dell não estava interessado nesse tipo de negócio de margem “zero”. Ele demarcou seu território com a venda de computadores mais caros e que lhe davam alta margem de lucro.
Como praticava a venda direta e podia analisar em profundidade seus clientes, Dell percebeu que seu preço médio de venda ao consumidor vinha aumentando, ao passo que o de outros fabricantes estava caindo. O consumidor que comprava pela segunda ou terceira vez um novo computador estava optando pelos PC’s da Dell. Foi só em 1997, quando a empresa já era um negócio lucrativo, que a Dell resolveu dedicar parte de suas atividades a esses consumidores. Hoje, a prática da venda direta tornou-se comum na indústria. Dell decidiu então mudar sua estratégia e enfrentar novas realidades competitivas. Ao mesmo tempo, confia em seu modelo principal de negócio para buscar novas oportunidades em novos mercados, como o de servidores, cujo potencial lucrativo é maior que o de PC’s. O modelo subjacente continua o mesmo. As escolhas estratégicas de aplicação do modelo – possíveis mercados, segmentos, que produtos fabricar – é que mudam.

Joan Magretta é consultora, escritora e ganhadora do prêmio McKinsey, da HBR.
Este artigo foi baseado em seu livro, O Que é Gerenciar e Administrar.

Publicado na Revista Exame de 24/07/2002

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