Por Denise Ribeiro
Um sistema japonês, sintetizado em cinco palavras começadas por S, ajuda a organizar pessoas e empresas cansadas de ver a eficiência escoar pelo ralo da desordem.
Às vezes temos a nítida sensação que vamos soçobrar ao caos que nós próprios criamos ao nosso redor. Vivemos num angustiante círculo vicioso alimentado por dúvidas recorrentes e nada existenciais, do tipo: cadê o comprovante de pagamento da conta de luz? Será que as crianças esconderam as chaves do carro? Onde guardei os recibos para anexar ao Imposto de Renda?
No trabalho o calvário de repete. Você tenta achar um telefone anotado num pedaço qualquer de papel. Seu colega sai de férias e leva junto, no carro, a pasta com dados da obra de engenharia que ambos estão supervisionando.
Se você já passou por alguma dessas situações, precisa, com urgência, implantar no seu cotidiano o programa de qualidade cinco S, criado pelos administradores japoneses. São cinco palavras iniciadas pela letra S (seiri, seiton, seiso, seiketsu e shitsuke ou, respectivamente, senso de utilização, de ordenação, de limpeza, de conservação e de autodisciplina), que resumem procedimentos óbvios – e aparentemente simples aos olhos ocidentais – para impor e manter a ordem e a eficiência.
Na prática, os japoneses perceberam que um conjunto de normas em favor da organização melhora, sensivelmente, a qualidade da vida diária. “Na vida das empresas, a incorporação dos cinco S significa maturidade e sinal verde para a implantação do programa de qualidade ISO 9000 ou de qualquer outro”, afirma o engenheiro Ranilson Coutinho Prestrelo, assessor de Qualidade da Petrobrás, que atua no setor de Exploração e Produção de Petróleo, em Salvador.
Desde 1987, quando a ISO 9000 foi lançada nos Estados Unidos, ter um certificado de qualidade como esse mais do que um capricho ou de uma desejável recomendação, tornou-se uma questão de sobrevivência para as empresas. Acontece que a adequação às normas internacionais de qualidade nem sempre se dá com a rapidez desejada. Daí a importância do programa japonês: ele consegue, por meios mais diretos, quebrar resistências e garantir o necessário equilíbrio funcional para que isso aconteça.
A filosofia do programa cinco S é de fácil compreensão, pois se baseia em premissas descomplicadas. A implantação, apesar de simples, deve ser precedida por explicações que deixem claros os objetivos, métodos e vantagens do programa. O engenheiro Prestrelo sugere que, antes da implantação, seja instituído o Dia da Limpeza, com uma área destinada ao descarte de objetos.
Apesar da melhoria de fluxo e da economia de tempo que o programa traz, ele se depara com uma única e gigantesca dificuldade: depende da disciplina e disposição de seres humanos, para mudarem hábitos arraigados e cheios de vícios.
O conceito e a utilização do programa cinco S podem ser assim resumidos:
- SEIRI (SENSO DE UTILIZAÇÃO)
Consiste em separar o útil do desnecessário. E depois o desnecessário descartável, que deve ir imediatamente para o lixo, do desnecessário útil.
EM CASA – as roupas que você não usa mais (desnecessárias), se forem velhas (inúteis) podem virar pano de chão. As outras (úteis) podem ser doadas para uma instituição de caridade
NO TRABALHO – documentos com informações ultrapassadas devem ir para o lixo. Ferramentas inúteis para você podem interessar a um colega.
- SEITON (SENSO DE ORDENAÇÃO)
Consiste em ordenar e classificar os objetos necessários de modo que possam ser facilmente localizados. Cada coisa ganha um local definido, com sinalização acessível a todos que a manipulam.
EM CASA – o guarda-roupa deve ter gavetas específicas para lingerie e meias, por exemplo. Os congelados vão para o freezer, com etiquetas. Contas pagas devem ganhar pastas e classificação mensal, assim como recibos de médicos, escola e dentistas para o imposto de Renda. A ida ao supermercado deve ser precedida de uma lista.
NO TRABALHO – objetos de uso diário devem estar o mais próximo possível e em local de fácil acesso. Os de utilização menos freqüente devem ser arquivados num armário. Documentos consultados a cada trimestre, por exemplo, podem ser guardados em outra sala, mas devem ser identificados com clareza para facilitar sua localização. Sinalização visual simples, bem definida e arejada evita acidentes e ajuda os funcionários a circularem com mais agilidade e rapidez nas áreas internas da empresa.
- SEISO (SENSO DE LIMPEZA)
Depois de nos livrar do desnecessário e colocar em ordem o necessário, o próximo passo é cuidar da aparência e da limpeza das coisas. Essas providências trazem bem-estar às pessoas e ao ambiente.
EM CASA – não há nada mais desagradável do que uma pia cheia de louças ou um carro atolado de jornais e papéis inúteis. A limpeza funciona como uma recompensa, um benefício, algo que nos dê satisfação.
NO TRABALHO – mesas e instrumentos de trabalho devem ser guardados e limpos no final da tarde, para que se possa começar sem agitação o dia seguinte.
- SEIKETSU (SENSO DE CONSERVAÇÃO)
Todos devem colaborar para manter as condições obtidas nos três primeiros Ss. Será necessária uma mudança de comportamento dos funcionários e dos membros da família, de maneira que todos se comprometam a seguir as regras e procedimentos do programa.
EM CASA – devemos manter o hábito de, periodicamente, nos livrar das inutilidades que vão enchendo gavetas, armários e outros cantos da casa. Da mesma forma, guardar as coisas nos devidos lugares evita preocupações e gastos desnecessários. Não adianta definir um local para a chave do carro e abrir uma pasta para a conta do telefone se continuarmos a largar tudo em qualquer canto. A desorganização pode fazer com que tenhamos de ir de táxi para o trabalho e de pagar novamente aquela conta perdida.
NO TRABALHO – devemos, diariamente ou semanalmente, descartar documentos desnecessários e devolver para o arquivo o material que retiramos dele. O exemplo de manutenção dos três Ss deve ser dado pelos chefes. Além de manter em ordem suas mesas e salas, devem incentivar os subordinados, valorizando o tempo gasto com a arrumação, a classificação e a limpeza do seu departamento.
- SHITSUKE (SENSO DE AUTODISCIPLINA)
Trata-se de um estado de espírito permanente do qual devem estar imbuídos os envolvidos no programa. Já convencidos das vantagens dos quatro Ss, funcionários e membros da família passam a cumprir naturalmente as normas estabelecidas, sem necessidade de cobrança. O programa estará plenamente incorporado quando começarem a surgir iniciativas espontâneas de melhoria da organização.
EM CASA – as crianças admitem que é muito bom encontrar, sempre, o que procuram. Você deixa de comprar aquele perfume caríssimo no free-shop, porque sabe que tem igual, sabe onde está guardado e não precisa de uma duplicata ocupando o espaço no seu armário.
NO TRABALHO – ninguém mais reclama que está perdendo tempo para manter as coisas funcionando. A administração contínua do programa gera a satisfação de bem-estar que se consegue quando um trabalho flui sem entraves ou atrasos.
* artigo publicado na revista Claudia, em junho de 1995.
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